sexta-feira, 31 de dezembro de 2021


 

 

O VELHO PROFESSOR

Capítulo Seis – 1º nov 2021

 

Era o monumento ao fundador da escola,

já centenário quando ele ali chegara:

HORACE MANN, UM SÁBIO EDUCADOR,

+ MIL OITOCENTOS E CINQUENTA E NOVE.

O professor agachou-se sobre a sola

das botinas.  Tantas vezes contemplara

aquela estátua do antigo fundador...

De novo a lápide seu coração comove...

 

“TIVE VERGONHA, REALMENTE, DE MORRER

ANTES DE TER OBTIDO UMA VITÓRIA

QUE O BEM FIZESSE A TODA A HUMANIDADE.”

Era uma frase do velho Diretor...

Mas, e eu?  Que consegui fazer

que interferisse com a humana história,

mesmo que a alguém desse felicidade?

Fui um fracasso!  Pensou o professor.

 

E num impulso ergueu-se novamente,

atravessando a neve e o vento frio

e penetrou outra vez no pavilhão

em que sua sala de aula se encontrava.

Ninguém estava no prédio, realmente,

nem sequer o zelador de tanto brio...

Abriu a porta, contemplando a solidão:

Nas classes poeira já se acumulava...

 

Ficou parado, só o silêncio ouvindo...

Por que razão esta nova despedida?

Verdade é que saí sem perceber

que nunca mais aqui lecionaria...

Por quantos anos aqui fui persistindo,

praticamente por toda a minha vida!

Melhor aceitar a ideia de morrer...

Da torre ao longe O Messias soaria...

 

Mas de repente, um sino se escutou,

surgiu na sala certa luz estranha,

sobre doze classes algo apareceu...

Não eram vultos!  Apenas um reflexo...

A pouco e pouco então se condensou,

tomando forma com exatidão tamanha:

e doze rostos então reconheceu,

já os corpos sólidos em perfeito nexo.

 

“Professor, lhe desejamos bom Natal!”

“Não acredito que vocês voltaram!

Sei que em algum lugar todos morreram...”

“É bem verdade, caro professor:

a minha morte foi de fato a inicial,

de meu caça os alemães me derrubaram

sobre a Inglaterra, mas jamais venceram

e antes lutei com o maior valor!”

 

quinta-feira, 30 de dezembro de 2021


 

 

O VELHO PROFESSOR

Capítulo Cinco – 31 out 2021

 

“Ah, não é nada, não se preocupe...”

“O senhor veio mais cedo.  Vou aquecer

o seu jantar...” “Olhe, não quero comer...”

“Mas o que houve? Nunca perde o apetite,

deve ser algo que sua mente ocupe,

nunca o vi antes seu jantar perder...

Quer uma sopa? Depressa vou fazer...”

“Não quero nada, Dona Martha, não se irrite...”

 

Mas a governanta insistiu bastante,

até que o professor lhe confessou:

“Fui hoje despedido pelo novo Diretor...”

“Mas de repente, sem razão, sem nada...?”

“Ganho aposentadoria até bem interessante,

mas este fato minha vida condenou,

sinto-me inútil por todo o meu labor,

minha obra toda sendo desprezada!...”

 

“Não fique assim, Professor!  Desanimado,

não há razão para tanta depressão...”

“Não estou deprimido, é a realidade,

eram minhas aulas que me mantinham vivo

e agora que me vejo dispensado,

eu me dou conta que meu velho coração

está vazio, só restou a inermidade:

eu precisava de permanecer ativo!”

 

E caminhou devagar até a estante,

em que guardava meio século de anuários,

com os retratos dos antigos estudantes,

a folhear cada livro amarelado...

“Para a senhora pode não ser interessante,

mas os conservo tais como sacrários,

eu recordo meus rapazes como dantes,

sei o nome de cada um aqui mostrado!”

 

Fechou o anuário. “Acho que vou me deitar,

para a hora do jantar ainda é cedo...”

“O senhor não vai ligar o seu radinho?”

“Ah, é verdade, transmitem O Messias...”

Ligou o aparelho, mas ficou sem escutar,

não conservava o oratório algum segredo

para arrancar de sua alma aquele espinho,

seu coração percorrendo tristes vias...

 

Mas de repente, a colcha retirou

e saiu para a rua sem chapéu,

nem sobretudo, no inverno rigoroso,

os pés pisando em cinco polegadas

de neve, mas o frio não o abalou,

nem o cinzor que recobria o céu;

foi caminhando com passo vagaroso,

até uma estátua de eras já passadas.

 

quarta-feira, 29 de dezembro de 2021


 

 O VELHO PROFESSOR

Capítulo Quatro – 30 out 2021

 

“Mas os alunos me esperam em Janeiro!”

“Eles não sabem de nossa decisão...”

“Mas qual o erro que agora cometi?”

“Professor, não faça isto mais difícil para mim,

nem torne amargo o seu dia derradeiro...”

“Estou sofrendo a maior desilusão,

nem um aviso prévio eu recebi!...”

“Não, professor, foi comunicado, sim.”

 

“Foi naquela correspondência mencionada

que o senhor admitiu não haver lido.”

“Não existe forma de se reverter?”

“Para a reunião o senhor foi convocado

em outra carta que lhe foi antes enviada;

se à reunião tivesse então comparecido,

em seu favor poderia algo dizer,

agora em Ata já está consignado.”

 

O Diretor então se levantou

e conduziu o professor até a porta:

“Vai receber sua aposentadoria regular

e o auxiliaremos, se houver necessidade.

Por muito tempo o senhor colaborou,

mas sua idade já não mais comporta...”

“A minha idade deveria respeitar!”

“É por respeito que o dispenso, na verdade.”

 

“Antes que possa a si prejudicar.

Não pense ter sido ideia minha, no entretanto,

o Conselho é que tomou a decisão.

Entenda bem, já passou bastante do limite...”

O professor ao corredor foi caminhar,

mal escondendo as lágrimas de pranto:

Esta escola é minha vida!  A profissão

nem sequer um casamento me permite!...

 

Tenho somente a minha governanta,

a Dona Martha, que me é muito dedicada;

não tenho filhos e nem um só parente,

meus filhos e netos são meus estudantes

e agora a própria escola é que me espanta!

Nem mais lembrava que a hora era chegada

da transmissão de O Messias, indiferente

ao bom projeto que tivera dantes...

 

Alguns alunos notaram. “O que aconteceu

com o professor, o Velho Barba Torta?

Tenho certeza de que o vi chorando...”

O velho saiu ao pátio, meio cego,

atravessou o campus e até esqueceu

de ligar o seu radinho de onda curta...

“Está doente, professor?” Foi indagando

Dona Martha, que por ele tinha apego.

terça-feira, 28 de dezembro de 2021


 

 O VELHO PROFESSOR

Capítulo Três – 29 out 2021

 

O Diretor era novo nessa escola,

tinha uns trinta e cinco anos, pouco mais;

o anterior, que fora muito seu amigo,

se aposentara afinal, no ano anterior,

após bela homenagem, meio tola,

em que notou que todos os demais

colegas eram mais moços que o antigo

pessoal, sem ter com eles discussão maior.

 

Bateu à porta.  “Entre, Professor!”

O Diretor recebeu-o cordialmente.

“Por favor, sente-se. Não vamos demorar,

mas é melhor que se sinta confortável...”

Numa poltrona nova e de valor

foi assentar-se, esperando realmente

não ficar preso muito tempo no lugar:

perder o começo de O Messias era impensável!

 

“Professor, como está a sua saúde?”

“Muito bem – e olhe que tenho idade!

E a sua, Diretor?”  “Também vai bem.

O senhor leu o nosso memorando?”

“Não, não li, mas o conteúdo não me ilude,

ficar outro ano aceitarei com equidade

igual à que recebo.  Não sei, porém,

porque o costume continua perdurando...”

 

“Por que renovar o contrato a cada ano?

Mais de cinquenta desses já assinei...”

“Quer dizer que o senhor ainda não leu?”

“Não é preciso, cada ano é sempre igual...”

“Não desta vez!  Vai causar-me um certo dano,

mas não foi contrato igual que lhe mandei...

O Conselho Diretor este ano resolveu

agradecer o seu trabalho tão genial...”

 

“Ora, não é preciso agradecer!

Sempre recebi, afinal, meu pagamento,

não faço mais que a minha obrigação...

Posso assinar agora esse contrato?”

O Diretor pigarreou até se resolver.

“Não, Professor.  Tenho o aborrecimento

de lhe dizer que não terá renovação.”

O professor sobressaltou-se em desacato.

 

“Como assim, estou sendo despedido?”

“Não, Professor, é sua aposentadoria;

cinquenta anos é o período final,

o senhor tem sessenta e cinco na função,

mas o contrato deverá ser rescindido.

O Conselho, com generosidade, concedia

dois terços de seu pagamento normal

enquanto viver e ainda terá nossa proteção.”


 LILLIAN ROTH, atriz do cinema mudo.

 

GRADAÇÃO  1 – 26 DEZ 2021

Somos diversos, eu e tu, do que já fomos;

diversos um com o outro, em sentimento,

diversos em nosso próprio encantamento,

diversos os corpos dos que ora somos;

há um momento em que juntos nos pomos

e nos temos por inteiro em tal momento,

mas é somente a ilusão que hoje acalento,

que nosso tempo se divide em gomos

e aquilo que já fomos, nunca mais

seremos novamente, inda que o mundo

permaneça inteiramente transparente,

imóvel como em banca de jornais,

enquanto o nosso instante só é profundo

naquele sempre que se foi indiferente.

 

GRADAÇÃO  2

Nosso passado é como um vasto outeiro,

camada após camada acrescentado,

por arqueólogos a jamais ser escavado,

mas que se mescla num antanho inteiro;

o que lembramos do beijo derradeiro

não recordamos na mesma forma dada,

o beijo que recordo, estrela alada,

não é o beijo em teu próprio travesseiro:

trocaste as fronhas e nem um só fio de cabelo

ali se encontra que tenha sido meu;

eu não troquei o travesseiro da lembrança;

tu só recordas o suspiro do desvelo,

eu me recordo de tudo que foi teu,

já descartada a última esperança.

 

GRADAÇÃO  3

E mesmo que não fosse dessa forma,

nenhum beijo retornamos a lembrar,

a carne que abracei em teu amar

não será mais a carne que retorna,

mesmo que venhas a meus braços toda morna,

que teu perfume eu possa respirar,

não é o perfume do antigo recordar,

teus lábios beijo em diferente norma;

e mesmo o meu, de que não me separei,

já é bem diverso, todo transmudado

daquele corpo que abraçou o teu;

só em minhalma eu te conservarei,

só em teu coração há um fio deixado

desse presente que um dia se perdeu.

 

ESCAVAÇÃO  1  -- 27 DEZ 21

Bebo o relógio e vou ver horas no copo:

meu olhar cuida dos dois na onirosfera,

no sonho te acho tal como eu quisera:

coloco as ferraduras e presto a ti galopo;

bebo teus olhos quando as pestanas topo

de teus cílios ondulantes de quimera,

escolho as horas em que nada se perdera,

do amor a lança no próprio peito emboco;

na onirosfera o amor é suave e permanente,

nada que houve jamais dali desaparece,

o sonho dura mais que qualquer prece,

mas a mulher que ali eu amo é diferente,

seus beijos dá-me, totalmente dadivosa,

sem que se esfaça como as sépalas da rosa.

 

ESCAVAÇÃO  2

Na onirosfera só o passado permanece,

como guardado em ágeis escaninhos:

busca-se um dia repleto de carinhos,

que lá se encontra e a tessitura tece;

é uma dita que ali jamais se esquece,

só fios de ouro bordados nesse ninho,

nenhum pipilo de pássaro mesquinho,

nenhum ciúme, nenhum capricho desce,

pois futuro não se acha em onirosfera, (*)

há só um presente forjado de passado,

em mil segredos nos borda a noosfera; (+)

somente ali reverdece o nosso antanho

e o paladar revive em mútuo agrado,

sem da incerteza sofrermos qualquer lanho.

(*) esfera dos senhos (+) esfera dos pensamentos

 

ESCAVAÇÃO  3

Ali se encontra tão somente o relembrado,

feito de névoas e lantejoulas de ouropel,

salvo se um dia ansiarmos pelo fel

da separação indo empós ao desgastado,

aziago sonho que ao estarmos deste lado

recordamos tantas vezes, mais que o mel

dos dias felizes em seus sonhos de papel:

por que é difícil pelo bem ser tocaiado?

Então te busco no país do Sonho Alado,

em que serás tu mesma sem mudanças

e onde eu mesmo não me modificarei,

em que o presente é o rebroto do passado,

no qual escolho tão só os dias das bonanças,

que  somente  junto às tuas acharei.

 

SEM MAIS AÇODAMENTO I – 28 DEZ 21

Por mais se vá ao tal reino dos sonhos,

aqui vivemos os nossos pesadelos;

por mais que aqui vivamos em desvelos,

sempre surgem pensamentos mais medonhos,

que nos assaltam para deixar tristonhos

ou para mais agudizar os nossos zelos;

não nos invadem os pensamentos belos

e nem sequer nos abordam os bisonhos;

quando queremos recordar um bem

algum esforço teremos de fazer

e nunca é igual àquilo que já foi,

porque o passado já faleceu também,

mas os espectros conseguem reviver

e nos lembrar daquilo que mais dói.

 

SEM MAIS AÇODAMENTO II

Assim não somos mais os mesmos nesta hora

que se esvai na maior pressa e transitória;

nos próprios dias da mais perfeita glória

escorre o tempo e de nós parte sem demora;

mas poderemos escolher outro porvir, embora

e dentre as mil opções forjar a história,

a que nos seja menos merencória,

no turbilhão de escolhas que nos jorra;

em livre-arbítrio um só fio desatar

desse Nó Górdio que permite conquistar

não a Ásia, mas uma senda favorável,

que Alexandre, impaciente, foi cortar,

mas que a nós somente cabe desatar

dentre as mil ramas desse imponderável.

 

SEM MAIS AÇODAMENTO III

Assim não somos mais os mesmos, realmente,

mas nosso recordar do que já fomos

é importante para nos compormos

das mil lembranças de um baralho diferente;

não obstante, se te encontro novamente,

procuraremos pretender que ainda somos

o que deixamos de ser mais que repomos

pela ansiedade de amor à nossa frente;

mas recordamos do amor o passamento

e precisamos construir um novo amor,

mais do que um a outra conquistar,

mais do que uma ao outro o sentimento

que foi um dia, em haustos de calor,

para entre os dois um novo amor se elaborar.