segunda-feira, 29 de novembro de 2021


 

 

PEQUENO IDEAL I – 22 NOV 2021

 (Vanessa Redgrave interpretando Eleonora Duse)

Bem que eu queria as mulheres infelizes,

de algum modo, poder todas consolar

e não se pense que as anseie conquistar,

seria impossível enfrentar todas as crises;

todas terão as suas tristezas, tu me dizes,

múltiplas causas de aflição a suportar,

caso as procure, poderão se revoltar,

muito cuidado precisarás no chão que pises!

 

Mas não seria nenhum padre confessor,

diariamente a escutar as mesmas queixas:

mudam-se as faces, permanecem os pecados,

a desgastar nessa escuta todo o amor

e em penitência repetir as mesmas deixas,

nesse quieto absolver dos mesmos fados...

 

PEQUENO IDEAL II

 

Nem quereria ser um psicanalista,

com horas certas para suas confissões,

cobrando em troca excessivas exações,

que ao fim da hora, sem pudor, insista:

“Acabou o nosso tempo.  Essa sua lista

de mágoas e queixumes e ilações

continuaremos nas próximas sessões,

isso faz parte do processo e da conquista

 

“que disciplina, cautelar, os sentimentos;

tenho de ouvir outros padecimentos:

dê a si mesma a sua absolvição!

Porém não pense que eu seja indiferente,

retorna a meu divã, que arrancarei, paciente,

as farpas, uma a uma, de teu coração!”

 

PEQUENO IDEAL III

 

Por mais que o tenha, não sobraria amor

a cada uma daquelas que encontrar;

mais do que a umas, a outras posso dar

minha lealdade, meu respeito e meu calor

e desse modo, menor será o favor

a tantas outras que me venham a rodear;

não será humano tanto amor a desdobrar

por mais altruísta que seja o meu pendor.

 

Contudo eu posso, a todas as mulheres,

enviar meus mil sonetos desparelhos,

que a algumas sirvam como bons conselhos,

enquanto a outras causem desprazeres;

outros enfim, que lhes lançar a esmo,

fatias levem recortadas de mim mesmo...

 

SOLIPSISMO INVERSO I – 23 NOV 2021

 

Será que existe alguma coisa anteriormente

ou o mundo começou quando nasceste?

É bem certo que nada antes percebeste,

como algo pode ter existido realmente?

Apenas te disseram – e bem frequentemente,

tais anteriores que nunca conheceste

e descreveram-te esses anos em que cresceste,

sem que recordar os possas claramente.

 

Tantas vezes foram tais coisas repetidas

que finalmente só as vens acreditar,

sem sequer por único momento duvidar;

mas só por isso seriam coisas ocorridas?

Ou ao invés disso só imaginaste as ilusões,

talhos sangrentos de tuas próprias emoções?

 

SOLIPSISMO INVERSO II

 

Caso o mundo começou quando nasceste,

essas pessoas que vês a teu redor

serão reais ou criações de teu pendor

e nesse caso, de que forma nelas creste?

Se no momento em que o mundo conheceste,

a pouco e pouco os criaste a teu favor,

de teus parentes e amigos és o senhor

e até de coisas que nem mesmo compreendeste,

 

mas que controlas pelo poder da mente

ou pelos ritmos de teu próprio coração,

manejas tudo quanto preside o teu viver

e então – quem sabe? – seja só impertinente

o que te afirmam, na maior convicção:

como como eles, também tu hás de morrer?

 

SOLIPSISMO INVERSO III

 

E mesmo aqui, na leitura destes versos,

quem sabe cada linha imaginaste,

que pela força dos desejos estampaste,

nessa tela digital em pixels dispersos?

E que te diz que tais fantasmas tersos

a partir do próprio peito não ditaste?

Se este poeta para ti é que inventaste,

sem que possua seus próprios dons inversos?

 

E se cada golpe que te causa o mundo

não imaginas para a ilusão fortelecer?

Se algo te fere ou bate, real deverá ser!

E não apenas teu elocubrar profundo...

Quem sabe?  Só sei que posso te aceitar

como essa esfinge que a mim virá julgar...

 

DOMÍNIO DO UNIVERSO I – 24 NOV 21

 

Porém que seja assim não é provável,

que sejas mesmo a criadora de teu mundo;

por mais que seja meu amor por ti profundo,

bem me percebo tangível e tocável...

Mas outro enigma já é mais imponderável:

o tempo é a vaga correria de um segundo,

cada futuro misterioso de ircundo,

todo o passado não mais recuperável.

 

Resta somente esta nesga do presente,

esta névoa tão clara de um momento,

que tão veloz se esvai para o passado;

somente existe esse incerto intermitente,

em que respiras teu futuro num alento

e logo o expiras, sem tê-lo segurado!

 

DOMÍNIO DO UNIVERSO II

 

Não obstante, há o momento da consciência,

que é muito mais do que parece ser:

por velocíssimo que seja o transcorrer,

percebes muito mais nessa imanência,

o derredor que te enrola em insistência,

não só o átimo fugaz que vais perder,

mas os avisos que podes perceber

de teus sentidos em gentil potência.

 

Pois nesse instante, tens consciência do universo,

de toda a Terra, dos meandros da lembrança,

das punhaladas que te traz o deeneá;

num só momento todo o cosmo ali converso,

tudo englobado em tal fantasma de esperança,

tudo o que existe então a ti pertencerá!

 

DOMÍNIO DO UNIVERSO III

 

Contudo ocorre que, com imensa rapidez,

esse momento que é só teu, já não o é,

já foi lançado para trás, para o sopé

das mil lembranças que já não mais vês;

e de um novo universo em plena tês,

após a escolha do fio da nova fé,

da mente e alma abrange plena sé:

que tudo existe em ti somente crês...

 

Mas ninguém tem qualquer igual percepção:

também os outros se adonam do universo,

preso no instante desse incauto berço;

mas o universo em sua mente e coração

não é o teu, mas sempre algo diverso:

um novo mundo, do qual nada te darão!

 

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