quarta-feira, 15 de setembro de 2021


 


COMUNIDADE I – 11 SET 2021

(Ilustrado por Zezé Motta em Xica da Silva)

 

Sós no mundo nunca estamos realmente:

existem coisas que chamamos de emoções,

que vêm dos fígados e dos corações

e nos envolvem com fragor potente.

Existe o medo, da tristeza conivente,

ódio e ciúme em fortes contrações,

lascívia e inveja em mil conotações,

orgulho firme e humildade reverente.

 

E nessas emoções nos irmanamos,

pois nossas almas assim compartilhamos,

no sentimento comum de humanidade,

a dor alheia sendo igual à nossa dor,

da humilhação partilhado o mau odor,

mesmo sofrendo com menor intensidade.

 

COMUNIDADE II

 

Se alguém estranha que não falei de amor,

é que essa emoção é bem mais rara,

com sexo e atração que alguém compara,

com o egoísmo da posse em seu pendor.

Em certas línguas, nem há termo delineador

para “eu te amo” – que coisa mais amara!

Podemos dizer para alguém que nos é cara,

mas num sentido muito menos constritor,

 

E a quantas coisas se refere com fervor,

quais se amor fossem?  Amor à arte,

amor à igreja, amor aos animais,

significado cada qual mais poluidor,

distribuído entre mil outras emoções,

denominando mesmo vagas sensações...

 

COMUNIDADE III

 

Pois tudo isso é mais um sentimento

de posse egoísta, sem dúvida comum,

quando queremos conservar algo ou algum

junto de nós, em pleno assentimento.

Para a maioria, o termo toma assento

nesse desejo de refletir-se num

que só pertença a nós e a mais nenhum,

que se alimente de nosso mesmo alento.

 

Mesmo dos filhos o amor significa

não altruísmo, porém nossa extensão:

algo de nós em sua carne permanece,

enquanto amor bem mais que tal indica,

não é somente nossa continuação,

mas uma entrega total em fiel prece.

 

CONOTAÇÃO I – 12 SET 2021

 

Dizem que existe maior felicidade

em dar que receber.  Mesmo a Escritura,

em sua verdade permanente e pura,

afirma que a ventura nos invade,

sempre que algo partilhamos com bondade

daquilo que nos sobra com fartura

ou mesmo faça falta, mas que cura

a quem sabemos ter maior necessidade

 

mas o inverso também é verdadeiro:

está a alegria na reciprocidade

e existe um amargor em só ganhar

e assim este provérbio é mais certeiro:

há certamente menor felicidade

em precisar receber sem poder dar!

 

CONOTAÇÃO II

 

Entra o amor nessa reciprocidde,

que se possa igual dar que receber

e desta forma firmemente pertencer

a um elo do grilhão da humanidade.

Existe o amor nessa real felicidade

de tudo partilhar, não só querer

ter alguém para nós, não no poder,

mas nessa entrega mútua de amizade.

 

Por isso digo que o amor aos pais

e o amor aos filhos não são bem amor,

mas a grande serpente que nos une;

por serem nossos, igualmente somos mais,

bem mais que os outros que notamos ao redor

e assim a separação muito mais pune.

 

CONOTAÇÃO III

 

Mas todos temos as mesmas emoções,

em grau mais fraco ou potencial mais forte;

sendo humanos, partilhamos de igual sorte,

compartilhamos das mesmas sensações,

submetidos às mesmas ilusões,

por mais que a razão nossa as recorte,

por mais que alguma força em nós se aborte,

somos humanos de idênticos grilhões.

 

Por isso digo que nunca estamos sós,

que as emoções assim compartilhadas

chegam nos ares desde as alvoradas

e nos atilham com permanentes nós:

e por mais que o racional em oposto pense,

tudo que é humano de fato nos pertence.

 

CONIVÊNCIA I – 13 SET 21

 

Tu não sentes ódios alheios, mas os teus,

não as dos outros, mas as tuas depressões,

gozas apenas das tuas exultações,

conceitos tens diversos de um só Deus.

E amor se sente somente pelos seus,

mas colorido pelas outras emoções,

mais por aqueles que nos dão satisfações

e desconheces quais os rancores meus.

 

Mas tudo quanto se sente é semelhante,

que tudo brota de só e única fonte

e lá no fundo, os sentimentos são iguais

e quando sentes qualquer fome delirante,

à tua maneira estabeleces uma ponte

com cada fome que sentem os demais.

 

CONIVÊNCIA II

 

Certamente que divergem circunstâncias,

que a alguns castigam e a outros favorecem,

mas as espirais do deeneá jamais esquecem

as emoções que existiram noutras danças.

Herdamos todos reflexos das instâncias,

amor e ódio são potências que florescem

e no consciente enfim se estabelecem,

não importa quais sejam as esquivanças.

 

Mas quanto ao amor, tão raro sentimento,

devemos todos renovar com ousadia,

que após de nós o gérmen gravaria,

que suavize o nosso falso julgamento

que francamente nos leva mais a odiar

do que podemos uns aos outros nos amar.

 

CONIVÊNCIA III

 

Também é certo que exista quem prefira,

por ter dos sentimentos distorção

a dor qual centro e eixo da emoção,

quando sua culpa em torno dela gira.

E de igual modo que aos demais confira

a dor possível em sadismo de intenção,

do masoquismo sendo gêmeo e irmão:

quem a si fere, também que aos outros fira!

 

E mesmo assim, nos irmanamos na maldade,

na desconfiança e em toda a malquerença,

mesmo o chamado de “amor” é doloroso,

porém nos prende ao comum da humanidade,

um deus-castigo permeando toda a crença,

bem mais fácil de aceitar que um deus bondoso!

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