sábado, 4 de setembro de 2021


 

 

DESCARTES E PASCAL I – 2 SET 21

 (Betty Boop, inspirada na atriz Hedy Lamarr)


Para Descartes elevo o pensamento,

em todo o meu sentir irracional;

neste destino de todo homem mortal,

eu me destino bem mais ao sentimento.

 

“Se penso, logo existo”, em tal momento,

mas será que isto me torna racional?

Não será conclusão mais natural:

“Se sinto, logo existe o meu tormento?”

 

Como Pascal, também sou um caniço,

porque me dobro ao vento e não resisto;

caso fosse um eucalipto, cairia;

sendo um caniço pensante no seu viço,

na posição em que estou, ainda insisto:

“Se sinto, devo então fazer poesia!...”

 

DESCARTES E PASCAL II

 

Ora, Pascal, que igualmente foi poeta,

certamente iria aceitar a conclusão

do soneto anterior, sem discussão:

de muito boa-vontade assim me afeta.

 

De Pascal a genialidade se completa,

sem se lhe dar de gênio universal a pretensão,

mas foi um gênio literário, sem questão,

só um invejoso a seu mérito objeta.

 

Assim espero ser também um bom caniço,

um que sussurra ao perpassar do vento

mais emoções que um sisudo pensamento

e assim manter da gentileza o viço,

curvando a fronte ante a adversidade,

só para erguê-la assim que passe a tempestade!

 

DESCARTES E PASCAL III

 

Já Descartes não sei bem se aceitaria

minha conclusão, senão um tanto tenso,

que existo por sentir, não porque penso

e aos animais quiçá me igualaria!

 

Mas a maneira em que o sentimento expressaria

seria envolta em um raciocínio denso,

que para toda poesia existe um senso:

razão assim à emoção se abraçaria!...

 

Até que ponto pensam os animais?

Seu pensamento mal podemos discernir;

e até que ponto pensam os vegetais,

sem que por isso deixem de existir?

E até que ponto eu penso na poesia,

ao afirmar que tão somente a redigia?

 

O GRIS E O ROSA I – 3 SET 21

 

A cada vez que se torna a lente rosa,

fica o mundo cristalino como a aurora;

porém se a lente é gris, na mesma hora,

nos apresenta tormenta poderosa.

 

Tudo depende do ponto em que é exitosa

a  telescópica escolha de um agora;

quando tua melancolia lanças fora,

tua percepção do mundo é mais formosa.

 

Até mesmo os hormônios são mutáveis,

a tua busca do esplendor os esplenderia

e o efeito do amargor os amargura,

mutáveis emoções, influenciáveis

pelo valor de teus pesos, que avalia

quanto de dor ou de prazer nos dura.

 

O GRIS E O ROSA II

 

Bem no fundo, nosso mundo nós criamos,

cada um tem seu próprio inferno ou paraíso,

pintalgado de azul em claro viso,

respingado de vermelho o detestamos.

 

Mas esse mundo só nos observamos,

de forma diferente, empós o siso

que empregamos, mais grosseiro ou liso,

conforme o pálido esplendor com que o dotamos.

 

Solipsista é o nosso mundo, certamente,

o quanto pensas dele é sempre certo,

por mais que os outros pensem diferente

e certo também está o outro em sua potente

interpretação de quanto sente perto,

que para todos os universo é complacente.

 

O GRIS E O ROSA III

 

Não é destino, muito mais tem o universo

a fazer do que contigo se importar,

seus parâmetros tão somente a te mostrar,

as consequências não são de fado adverso.

 

São resultado de um escolher perverso:

coisas ocorrem porque as foste provocar

e não que venha o mal te procurar,

que existe um leque de opções disperso.

 

E a cada instante nova encruzilhada,

que não conduz só a dois ou três caminhos,

mas a dezenas de potencialidades;

sempre é melhor escolher algo que nada,

no pluriverso dos mundos pequeninhos,

que só curvar-se ante suas mil dificuldades.

 

MIGALHAS NA FLORESTA I – 4 SET 2021

 

João e Maria, pelos passarinhos

foram traídos, ao deixar a pista

pela floresta, que afinal se avista

migalhas serem somente em pedacinhos.

 

E assim os dois se perderam, pobrezinhos!

João deixou de comer e a casa dista

longe demais; é a mata que os enquista:

dormem os dois no escuro, abraçadinhos...

 

Só dispõem de uma raiz grossa guarida;

há olhos brilhando até onde a vista alcança,

quão depressa se lhes bate o coração!

E quanta gente existe nesta vida

que larga bens preciosos, na esperança

e em troca ganha apenas a ilusão!

 

MIGALHAS NA FLORESTA II

 

Não eram maus os famintos passarinhos,

que no caminho viram apenas alimento

e o debicaram  para seu sustento,

sem nem pensarem nos dois irmãozinhos.

 

Mas entre os homens há seres mais mesquinhos,

 voltados para aquilatar cada momento,

para depois  prejudicar a seu contento

aos demais e depois rirem-se, escarninhos!

 

Há tantos desses que chamam vigaristas!

Dizem que apenas cai nessa armadilha

quem dela espera conseguir algum proveito,

mas hoje empreendem mais variadas pistas,

fingindo dar-te ajuda nessa trilha,

para espoliar-te no final de algum direito!

 

MIGALHAS NA FLORESTA III

 

Muito pior será esse falso amigo

que te aconselha contra algum malfeito

e se arvora a defender o teu direito,

na intenção de invadir o teu abrigo.

 

Passado o trote, mal imaginar consigo

como alguém pode entregar o aberto peito

e à tocaia permitir-se sem sujeito:

como foi fácil enganar-te o inimigo!

 

Só se pode imaginar um hipnotismo,

realizado durante horas de conversa,

com que os espertalhões te vêm cansar,

falsas frases a repetir-te em mesmerismo,

a induzir-te a uma tolice bem diversa

do bom conselho com que vieram te enganar!

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