quinta-feira, 7 de janeiro de 2021


 

 

A ÁRVORE DO INFERNO I – 26 ABR 20

 

Segundo o Alcorão, cresce árvore no inferno

de folhagem atraente e frutos saborosos:

é a árvore Zakum, mas de efeitos impiedosos,

que o suplício aumenta aos hóspedes do Averno,

pois quem comer seus frutos, terá castigo eterno,

porque sua sede aumentam os frutos deliciosos,

de forma imponderável seus efeitos pavorosos,

a provocar no infeliz perpétuo fogo interno!

 

Não sei se existe mesmo essa árvore Zakum

e de fato nem sei se existe esse lugar

que chamavam de Hades os Helenos

ou de Orco os Romanos, também lugar-comum

ao Sheol se referir, na intenção de castigar

não a nós, mas aos inimigos, pelo menos!

 

A ÁRVORE DO INFERNO II

 

Também ao Abaddon existe referência

e mais ainda à Gehenna de Fogo;

mesmo no Hades há o Tártaro sem rogo,

em que não há qualquer mercê ou leniência

e é mesmo possível que exista tal ardência

em universos paralelos, para atender o rogo

dos que rancores sustentam e esperam, logo,

seus adversários punir com veemência!

 

Mas não está neste universo que eu habito

E em absoluto não será ponto de fé:

o Hades do Credo não é mais do que a mansão

dos mortos e mesmo lá a maioria concita,

segundo a Anastasis, a abandonar tal sé, (*)

mediante a oferta de sua redenção!...

(*) Libertação, a doutrina da pregação de Cristo aos mortos.

 

A ÁRVORE DO INFERNO III

 

Porém nos Credos e nos Dez Mandamentos

ou no Pai Nosso para nós deixado,

nenhum ponto de fé será indicado

de que existam satanases tão odientos;

tão impertérrita crença tendo assentos

no medo que se quer ver despertado

no povo humilde e não-alfabetizado,

para à hierarquia dar seus assentimentos.

 

Terrível mesmo é a descrição dantesca

das almas que no Estígio chega e pesca

esse Caronte que será dos mortos guia;

comer da árvore Zakum será terrível,

porém é voluntário e bem pior seria

inalar o ar fervente que evitar não se podia!

 

A ÁRVORE DO INFERNO IV

 

Não creio no diabo e nem disso preciso,

que o mal se encontra nos homens suficiente

para preencher mais de um inferno permanente,

nesta Terra material em que hoje piso;

sei que o que existe após a morte é impreciso,

mas a questão não me incomoda realmente,

que essa resposta estará subjacente

à pluralidade dos mundos, em conciso,

 

mas claro afirmar de que todo o imaginado

em algum ponto do Pluriverso está criado

e se eu decido descrer de haver inferno,

outro de mim talvez até creia bastante

e assim comprove a descrição de Dante,

no masoquismo de amargar suplício eterno!

 

PERENIDADE I – 27 ABR 2020

 

Eu reconheço ser pura fantasia

os “para-sempres” que emprego tanto,

quer seja a referência a amargo pranto,

quer a um amor permanente que sentia.

 

O “para-sempre” chega às raias da heresia:

nenhum humano encontrará um canto

de amor terreno ou mesmo de amor santo

que de algum modo eternamente duraria.

Eterna sendo tão somente a Divindade

e tudo mais fugaz fogo de palha,

a reluzir por certo tempo portentoso,

 

mas consumido em sua totalidade,

toda apagada sua luz sem qualquer falha,

apenas cinzas ou um tição mais tenebroso...

 

PERENIDADE II

 

Contudo, nesse tempo em que amor dura

e nos consome com tal intensidade,

parece um fulgor ser de eternidade,

uma fagulha do divinal  segura...

 

E sendo apenas feromônios em loucura,

não se esgota a sua imensa intimidade,

enquanto é intensa e imensa essa vontade,

enquanto essa ilusão em nós perdura...

Sendo entretanto um amor mais permanente,

caracterizado mais pela brandura,

traz sensação de gentil perenidade...

 

E não se espera tornar-se mais potente

que a duração dos dias que se apura

em seu trânsito tão veloz quanto inclemente...

 

PERENIDADE III

 

Assim não espero que para sempre possa

amar qualquer mulher, sequer a idolatrada

que por nós é diariamente acompanhada,

em seu carinho que a alma nos adoça...

 

Espero muito mais amor de louça,

que se comprou na hora dedicada

ao princípio desse amor e conservada

por décadas a fio, sem qualquer mossa,

porém que um dia, muito certamente,

irá mostrar-nos pequena rachadura

ou na beirada alguma indentadura,

 

até que, enfim, se quebre totalmente,

tal como racha e quebra a vida humana,

mesmo a que o amor com persistência irmana.

 

FAIANÇA I – 28 ABR 20

 

Se amor for louça, que seja de faiança,

da mais pura e escolhida porcelana,

colorido em furtacor que não se empana,

do heliotrópio à mais gentil garança,

esse amor que de mutar-se não se cansa,

mas que a cada nuance ainda se irmana,

a diferença de humor, por mais insana,

aceitando como passos de sua dança...

 

não uma valsa ou polka acelerada,

mas sob o ritmo de canção romântica,

executada lentamente por orquestra

e a cada década de novo renovada,

os “eu-te-amos” a repetir de forma mântrica,

em cálices tilintando a cada festa...

 

FAIANÇA II

 

Que seja então amor à moda antiga,

em que se lembra cada aniversário,

não só do casamento, mas do vário

repertório de cada data que consiga

representar um evento que se abriga

bem fundo ao coração; em cada horário

do despertar em qualquer dia ordinário,

quando ao bem adormecido a vista siga...

 

esse amor de uma baixela rendilhada,

que se conserva com o máximo cuidado

e se retira tão só em dia especial,

pela calma de um carinho acompanhada,

junto a um vinho em adega conservado,

que traga a data do amor original...

 

FAIANÇA III

 

Após a festa, a ser lavada com cuidado

e reservada em abrigo e pleno dó,

em que não pegue umidade e pouco pó,

até no próximo momento a ser buscado

e novamente empregada no indicado

momento de ambrosia e pão-de-ló,

em companhia ou pelo casal só,

um dia de amor a ser de novo relembrado.

 

E se for assim cuidada essa baixela

resistirá por décadas a fio,

contemplada muitas vezes com amor,

à luz de velas refulgindo como estrela,

sobrevivendo muito além do cio,

enquanto o sangue conservar o seu vigor.

 

FISICALIDADE  I – 29 ABR 20

 

A dor que sinto de te ver atinge

diretamente o cerebelo, a base

de meu cérebro e o próprio crânio range

ante o impacto.  É como se me abrase

de forma incandescente, que me arrase

todo o equilíbrio e controle que me cinge:

o inesperado coloca-me em estase

e escorre a calma que meu controle tange.

 

Não é no coração: a nuca é que me dói

e desce do pescoço, espinha a baixo,

os músculos dos ombros em tensão;

 

que nada existe de sensual nessa emoção,

nem sequer de romance um leve facho,

só esse golpe que a mente inteira rói.

 

FISICALIDADE  II

 

Antes quisera nunca mais te ver,

sabendo não serás de mim jamais

qual no passado foste, tantos ais

silenciosos pelos lábios a perder;

mesmo que houvesse esperança de reter

entre meus braços teus beijos fatais,

ainda queria poder ver-te nunca mais,

acalentando de novo o meu sofrer.

 

Sem que sentisse uma emoção de fato,

o que me fere é mais o desencanto,

um desalento que guardo com recato,

 

um melancólico penhor insatisfeito,

sem ter alívio de demorado pranto,

o corpo inteiro magoado e contrafeito.

 

FISICALIDADE  III

 

Sei muito bem não ter qualquer direito

de algo te pedir.  O rompimento

causou em mim definitivo desalento,

fino estilete cravado no meu peito,

que na ocasião retorceste bem a jeito,

de forma tal que me feriste o pensamento

e embaralhaste para sempre o julgamento:

não há retorno desse ato uma vez feito.

 

E no entretanto, por mais que o corpo doa,

existe brilho no ônix profundo,

até mesmo se não for bem lapidado.

 

E dentre o mal encontro fração boa,

um linimento sutil e vagabundo,

que dentre a mente conservo acalentado...

 

LUAR LUNAR 1 – 30 ABRIL 20

 

Onde se encontra a Árvore da Lua?

Em algum penhasco pode estar presente,

Mais do que tantas estrelas surpreendente,

Que certamente no ar leve não flutua...

Em sua prata argentina a mente estua

E nalgum galho eu devo estar pendente...

Por que essa imagem é sempre reincidente

E assim me fere qual adaga nua?

Pois essa Lua acompanha a Terra inteira:

Deve, por certo, possuir qualquer corrente,

Caso contrário, se desprenderia!...

 

E alguma noite seria a derradeira,

Para o espaço a fugir-nos, tristemente,

Essa luz pálida que nos consolaria...

 

LUAR LUNAR 2

 

Dessa Árvore da Lua penderiam

Os enfeites de uma noite sideral,

Cada cristal e cada bola de metal,

Quaisquer estrelas ali se guardariam

Nesses galhos que heréticos fulgiam,

Enquanto o Mandamento contratual

Era quebrado, sem intenção de mal,

Mas por fervor de encantos que ornariam

A arcaica Astarteia, que a esta Gaia,

Que decidiram um dia chamar Eva,

Rival seria em nebulosa Maya. (*)

(*) O mundo material, que é pura ilusão.

 

Amor de tanta mulher reclamaria,

Sempre que quebra esse poder da treva

E numa réstia de luz lhes desceria...

 

LUAR LUNAR 3

 

Onde está hoje essa Árvore da Lua?

Teria sido derrubada para a cruz

Que no arcano confeccionaram a Jesus?

Ou simplesmente para construir grua

Que as pedras das pirâmides atua?

Ou então serviu de andaimes tanta luz

Que aos templos ancestrais ainda conduz,

Cada coluna a rasgar da pedra nua?

Dizem que a Lua pertence aos namorados,

Talvez em seus corações enraizada

E em cada atroz separação desarraigada.

 

Ou então se encolhe entre os desencantados

Da luz do Sol, cujo fulgor requeima

Para a Lua a se voltar em antiga teima?

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