domingo, 24 de janeiro de 2021


PELES GÊMEAS E MAIS



 BRIGITTE BARDOT VINTAGE


 

PELES GÊMEAS I – 10 JUL 20

 

se o homem e a mulher coabitam Longos

períodos de vivência, lado a Lado,

seus cheiros se misturam, Conjugado

o sangue e o alimento: são dois Gongos.

 

seus gérmens coabitam, as Bactérias

proliferam de um na outra, então se Cruzam;

palavras trocam, hábitos Escusam

e compartilham mais tantas Matérias...

 

contudo as almas não dividem Cheiros,

tem outros gostos, toques e Carinhos,

as almas não se fundem, mas se Esfolam:

 

só quando surgem amores Verdadeiros,

é como se tais almas, seus Caminhos

entrecruzassem numa alma em que se Isolam.  

 

PELES GÊMEAS II

 

os cheiros não pertencem só à Pele;

são guardados nas paredes de suas Casas,

nos tetos, nos assoalhos, quaisquer Vazas

que a permanência mais longa no ar Sele.

 

o som das vozes a que amor ou ódio Apele,

tambem ficam entremeados como Gazas;

talvez mais do que os cheiros sejam Rasas,

talvez num canto em teias se Compele

 

a voz perdida da boca Original

e o som de um beijo, por mais seja Formal:

a casa vive de seus Habitantes

 

e se esses partem para não mais Voltar,

conserva ainda, tal qual cão a Vigiar,

porém sem serem tão potentes como Dantes.

 

PELES GÊMEAS III

 

uma cidade igual guarda uma Película,

que sobrenada a cada Moradia,

mais nos telhados presa do que em Via,

qual protoplasma de proporção Ridícula.

 

em certas partes, a pele é mais Minúscula,

enquanto em outras mais se Condensaria,

um arco-íris de odores talvez Trescalaria

sobre escolas, em proporção Maiúscula.

 

ali se encontram camadas Superpostas,

parte alimento, em parte Dejeções,

a conferir característica às Cidades.

 

talvez em certos pontos te Desgostes,

cada bueiro a soltar Exalações,

cada janela a refletir as suas Maldades.

 

PELES GÊMEAS IV

 

mas o teu cheiro entranhou-se Firmemente,

não em narinas, conserva-se na Alma,

em que perdura numa graciosa Calma,

não o perfume que empregas mais Frequente,

 

e nem ao menos o que da carne se Pressente:

de cada traço provém que a mente Embalma,

de cada qualidade em branda Palma,

só meu espírito com certeza o Sente.

 

e assim me vejo emaranhado em tal Novelo,

meus fios de alma aos teus Entrelaçados,

de um olor peculiar sendo Dotados,

 

cada barbante a lançar a outro Apelo,

sem que sequer possam ser Ignorados,

quais duas sombras a lacrar o mesmo Selo.

 

ENTRE PARÊNTESES I – 11 JULHO 2020

 

Agora é moda usar os corretores

dentários, para as presas alinhar,

para melhores sorrisos ostentar,

abrilhantando esgares sedutores...

 

Não são mais só de crianças tais pendores,

vão os dentistas em adultos trabalhar,

pois de algum modo se precisam sustentar

os odontólogos que realizam tais labores...

 

Surgem assim tantas bocas comerciais,

na sugestão de uma existência comedida,

passada no conforto, em paz, na calma.

 

Belos tais dentes, mesmo nada naturais...

Mas não os meus!... Gastei a morder Vida

e se partiram, qual rompeu-se a alma!...

 

ENTRE PARÊNTESES II

 

Os canibais usavam em pendentes

belos colares feitos de marfim,

sem elefantes sacrificar assim:

das refeições conservavam muitos dentes.

 

E no Ceilão ainda existem muitos crentes

guardar-se algum do Buddha.  Um querubim

desceu à Terra para aliviá-lo, enfim

de odontalgia das mais impertinentes!

 

Quando Gautama moveu-se para a China,

ficou o dente guardado em relicário,

o tesouro principal de seu sacrário,

 

contradição da doutrina que ele ensina

de religião sem deuses, afinal,

porém da qual se tornou o principal!

 

ENTRE PARÊNTESES III

 

Não sei se os dentes alinham dos vampiros;

talvez algum pretenda até limar

as belas presas que têm para sugar,

na contração de hematófagos suspiros...

 

Só imagino se em qualquer de tantos giros

o Conde Drácula chegasse a consultar

para um molar ou incisivo obturar,

anestesia a regular os seus respiros...

 

E ao acordar, notasse a diferença:

“Mas quem te autorizou o atrevimento?”

“Ora, achei que mais simpático seria

 

“o seu sorriso... sem qualquer ofensa!”

“Crescem de novo, porém neste momento,

com esta broca teu pescoço eu abriria!...”

 

ENTRE PARÊNTESES IV

 

Que assim melhore cada qual sua dentadura,

sem esquecer de que, depois, deve escovar,

três vezes ao dia, para não cariar,

nem um bafo provocar que não se atura!

 

Em certos crânios ancestrais ainda perdura

uma prótese de madeira, que aplicar

conseguiu um tiradentes, e assim tornar

a mordida do cliente bem mais pura!

 

Naturalmente, enquanto o açúcar era raro

as caveiras conservavam muitos dentes,

sendo guardadas com carinho por parentes,

 

comprar dentes de estranhos sendo caro,

contribuição se pediria à vovozinha,

para da neta deixar a boca bonitinha!...

 

GOTAS DE AZEITE I – 12 JUL 2020

 

Se quadras não herdei de sesmaria,

Nem formosas mansões pela cidade,

Em minha vida obscura e sem maldade,

Tampouco eu invejei quem mais teria;

De fato eu sei que herdei capacidade

Maior do que demonstra a maioria;

A mente e o coração vejo, à porfia,

Empenhar-se com igual perenidade;

Mas encontrei maus fatos, circunstâncias

Que me levaram a vida a desgastar,

Sempre em favor dos outros, sem louvor

E ainda me acho emaranhado em tais instâncias,

Qual vinho bom levado a misturar

Em coquetéis de bem dúbio valor...

 

GOTAS DE AZEITE II

 

São bem diversos os dons que se recebe

Em nossas vidas amplamente desiguais;

Tenho o que tive e já não busco mais,

Limite existe para o vinho que se bebe...

Na minha idade, certamente se percebe

Que existem outros com dotes naturais,

Mais do que os meus, em tolices consensuais

Desperdiçando, que o valor não se concebe;

Eu sempre soube qual o valor que tinha,

Mas enredei-me em múltiplos cordéis,

Para atender às demandas ao redor,

Até aceitar a razão por que aqui vinha,

Sem mais rancores ou lastimar anéis,

Qual capataz do que sou possuidor.

 

GOTAS DE AZEITE III

 

Esses que herdaram, bem raro fizeram

Uso adequado das possibilidades,

Limitados a viver em sociedades,

Gastando aos poucos o muito que tiveram;

Meus ancestrais, contudo, me deixaram,

Nas espirais do genoma qualidades:

Nada de sólido, só potencialidades,

Que somente em meus poemas se aplicaram;

Porém percebo que não houve desperdício,

Quanto mais escrevi, sobrou-me mais,

Por entre os dedos correndo em cabedais

E agrilhoado da poética no vício,

Cumpro somente meus deveres naturais,

Sem jamais crer ser meu qualquer resquício.

 

GOTAS DE AZEITE IV

 

Não obstante, é como eu fosse azeite,

Nessas gotas que melhoram o sabor,

Mas que sozinhas terão pouco valor,

Que prometeram rios de mel e rios de leite;

Se meu computador não desse aceite,

Tudo estaria guardado e sem calor;

Tudo pensado, não sou disso possuidor,

Não há razão para louros em que deite;

No tempo em que compunha ao meu piano,

Desconfiava ser do teclado a melodia

Que tão fácil dos dedos me brotava;

E agora penso, talvez para meu dano,

Que cada verso está na rede em sintonia

E que sem mim, qualquer outro o digitava.

 

O ERRE PERDIDO [para Neusa Tânia]

 

Se meu Erre for peRdido, o que faRei?

ReconquistaR, RecuperaR, RastreaR, ReteR?

uma palavRa mais não posso concebeR

que me indique o caminho e já nem sei

paRa o que seRve esse eRRe doRavante:

RasgaR, RoubaR, RecalcitRaR, RugiR?

ou pela falta de um eRRe peRquiRiR

onde ocultou-se esse sinal Rascante...?

 

meu eRRe Risca o céu, como um coRisco,

Rapidamente Retira a pRopRiedade,

transforma AMO em RAMO sem vaidade...

e, num Relance, peRcebo, com abalo:

que o eRRe não me Rasga, mas belisco

o céu da boca, a fim de pronunciá-lo...

 

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