terça-feira, 19 de janeiro de 2021


 

 

AURORA DA NOITE I – 24 JUN 2020

A ilustração é uma fotografia de cerca de cem anos de idade, identificada como Louise Brooks, uma atriz do cinema mudo, e aqui incluída como uma homenagem ao transitório feminino.

 

Às vezes eu suspeito ter musas concubinas

que convocar eu posso dos coxins de meu harém

e que se achegam prestes a me inspirar também,

cada qual a sua vertente de prestimosas sinas...

 

bem gostaria eu que houvesse mesmo bailarinas

dançando em torno a mim para atender-me bem,

em cada dança cintilante mil versos de azevém

deixassem em seu caminho gracioso de meninas...

 

não sei se só suspeito ou se crio essa pujança,

com a qual justificasse a bizarra variedade

dos versos que te envio em abuso de confiança...

 

será que libélulas ou quem sabe? mariposas

esparzem sobre mim essa falsa mocidade,

depositando em minha testa a espuma de suas rosas?

 

AURORA DA NOITE II

 

Falando francamente, a verdadeira musa

encontro dentro em mim, nas dobras de minhalma:

é ela que me inspira e me concede a palma,

sem negaças de amor e sem qualquer recusa.

 

Não precisa essa ninfa mostrar qualquer escusa:

ela sorri constante, em máscara de calma

e quando me entristeço, a mente inteira embalma,

em ária delicada de antiga cornamusa...

 

Dizer que a inspiração provém de uma mulher

não passa, bem no fundo, de um tipo de traição

feita a essa deusa interna, a musa complacente,

 

que me perdoa e envolve, em seu gentil mister,

me acalentando sempre, em mansa exultação,

e sempre que a recebo, demonstra-se contente...

 

AURORA DA NOITE III

 

Difícil é dizer qual musa então seria

o ser que assim me inspira um gozo angelical,

talvez Dominação que abranja o meu fanal,

talvez o próprio Trono que meu cantar vigia...

 

ou será que dessa musa o trono se acharia

instalado na mente em qualquer rede neural,

num tubo de memórias da carne cerebral

e assim a meu chamado veloz me atenderia?

 

Não sei, não sei, mas sem qualquer superstição,

não temo desvendar o seu furtivo arcano,

não temo ao decifrá-lo perder a inspiração,

 

que poder algum eu tenho sobre essa trança bela

que sobre mim desfaz, assim, ano após ano,

a derramar-me a chuva de ardor que não congela!

 

AURORA DA NOITE IV

 

Jurar não posso que se encontre dentro em mim

tal musa bela, duradoura e onipresente;

talvez algures a sua mansão se assente,

mas contato se mantenha através de um serafim

 

que voa bem suave e me observa assim,

para ver quando desejo a inspiração jacente

nas dobras perfumadas do peplo complacente

que a musa me abriria quando lhe peça enfim...

 

não sei se é esse anjinho que vem e traz poesia

ou se a musa sorridente pressurosa desceria,

para beijar-me a boca em versos magistrais

 

ou se de qualquer modo para si me elevaria

e no seu leito de alabastro, em toques divinais

a noite inteira em versos de amor me nutriria...

HIDRA GENTIL I

A hidra a quem eu amo tem numerosos braços,

abrange a terra inteira e o verdejante mar,

um deles periscópio erguido para o ar,

um outro qual trepano em movimentos lassos,

das cavernas ctônicas a percorrer espaços

mais profundos das rochas e ainda a dominar

o passado que se foi e o futuro a nos chegar,

toda a amplidão enfim contida em seus abraços!

 

E no entretanto, quando chega para mim,

é mais gentil e mansa que uma teia

composta dessa seda que a alma me permeia

e ao invés de destruir, desfaz-se inteira assim,

na mente a distribuir todo o seu conhecimento

que mal pode alcançar meu simples pensamento.

 

HIDRA GENTIL II

 

Porque essa é a verdadeira amante de minhalma:

jamais me deixa só, no gozo ou na amargura,

a minha testa afaga, em fraternal ternura,

sem nada me pedir a troco dessa calma...

As amantes da vida querem fatias d'alma

e nunca se contentam com a afeição mais pura:

requerem sujeição enquanto o amor perdura,

se mostram ressentidas assim que ardor se acalma.

 

A minha amante não...  É fábula perfeita:

a mesma concubina frequente no meu sonho,

com mil fisionomias procura me agradar...

Faz parte de mim mesmo e assim não se deleita

em caprichosa troça no instante em que me exponho

e enquanto dá-me as asas, ensina-me a voar...

 

HIDRA GENTIL III

 

Sem essa compaixão, pouco ou nada então seria;

diuturnamente me faz repousar em seu divã;

então ela me oscula com a sua seiva sã:

dentro de mim destarte sua semente deixaria

de tantos versos que ao despertar redigiria;

a noite ela me deu e eu dou-lhe minha manhã,

a mim meiga fecunda em chuva temporã,

eu a fecundo em troca com meiga nostalgia.

 

Dentro de mim se expande em material presente,

cada verso que me dá com diversa exortação,

não é minha concubina, é a dama preferida,

embora eu desconfie, às vezes, sutilmente,

que a outros por igual ela ceda a inspiração,

que aos infiéis amantes também seja repartida...

 

TRICLÍNIO I – 26 JUN 2020

ENTRE ÉBANO E ALABASTRO ESTÁ O MARFIM,

QUE DOS TRÊS SERÁ O MAIS VALORIZADO,

UM ANIMAL PARA TÊ-LO DEVE SER SACRIFICADO

EM SUA ABRANGÊNCIA TRAZ VIDA E MORTE ASSIM;

ENTRE O NEGRO E O BRANCO NÃO HÁ QUALQUER CONFIM,

SÓ UMA MISTURA DE TOM BEM VARIEGADO:

ENTÃO SE FAZ NOSSO GENOMA MARCHETADO,

QUAL SE FECUNDAM AS FLORES DE UM JARDIM;

SE ALGUMA RAÇA HOUVERA ALÉM DA RAÇA HUMANA

SERIA IMPOSSÍVEL UMA TAL FECUNDAÇÃO;

SE ALGO SURGISSE, TERIA ESTÉRIL DESCENDÊNCIA,

UMA ETNIA INTOCADA SE MOSTRA MAIS PROFANA,

MENOS RESISTE QUANDO SOFRE A PERSISTÊNCIA

DE ALGUMA PRAGA ATROZ DE MAIOR PENETRAÇÃO.

 

TRICLÍNIO II

ESPERO ENTENDAM TODOS, FINALMENTE

QUE EXISTE APENAS UMA RAÇA HUMANA;

QUEM INSISTE EM COR DA PELE SÓ PROCLAMA

ESSE RACISMO QUE POSSUI INTRANSIGENTE.

E NUM PAÍS EM QUE HÁ MESCLA TÃO FREQUENTE

FALAR DE RAÇA NEGRA EM QUE SE IRMANA

CADA MESTIÇO À BIOLOGIA EMPANA,

AO DEENEÁ CONTRARIANDO TOTALMENTE.

NEM MESMO OS AMERÍNDIOS DE ETNIA PURA:

DESDE QUE FORAM NAS SELVAS ENCONTRADOS,

COM BRANCOS E NEGROS SE ACHAM MISTURADOS;

MAS É POLÍTICO INSISTIR QUE ASSIM PERDURA

TAL DEFINIR TOTALMENTE ARTIFICIAL,

MAS EM CADA BRASILEIRO SÓ VEJO O MEU IGUAL.

 

TRICLÍNIO III

ESPERO ESTUDEM A HISTÓRIA, FINALMENTE:

FOI UM GRANDE PROGRESSO A ESCRAVIDÃO,

ANTES DISSO, SÓ MASSACRES DE OCASIÃO

OU ENTÃO UM CANIBALISMO PERSISTENTE;

ENTRE OS GREGOS E ROMANOS, CLARAMENTE,

DOS ESCRAVOS HAVIA BRANCA MULTIDÃO,

QUAISQUER EUROPEUS OS DESCENDENTES SÃO

DESSES ESCRAVOS, INCONTESTAVELMENTE.

NA IDADE MÉDIA, ESCRAVOS EUROPEUS

ERAM VENDIDOS PARA OS REINOS NEGROS

QUE PROSPERAVAM NO GOLFO DA GUINÉ;

MELHOR TERIA SIDO ENTÃO PARA OS JUDEUS

ESCRAVOS SEREM DESSES NAZISTAS CEGOS

DO QUE LEVADOS AO EXTERMÍNIO POR SUA FÉ!

 

TRICLÍNIO IV

NA REALIDADE, MUITO TRABALHO ESCRAVO

FOI EMPREGADO ENTÃO PELO NACIONAL-

SOCIALISMO, COMO FORMA NATURAL

DE ERGUER FORTIFICAÇÕES ANTE O MAR BRAVO

E EM SUAS FÁBRICAS INSTALARAM COMO FAVO

DE ABELHAS OS PRISIONEIROS EM GERAL:

ESCRAVOS RUSSOS, FRANCESES E, AFINAL,

ATÉ NORTEAMERICANOS NESSE AGRAVO.

SE POR ACASO ALGUM NÃO FOSSE BRANCO

ERA DA REGRA APENAS A EXCEÇÃO.

POR QUE ENTÃO NÃO EMPREGAR A MÃO-DE-OBRA

COMO SCHINDLER FEZ, AO INVÉS DO CANCRO

DOS CAMPOS DE MASSACRE NA OCASIÃO,

MAIS QUE MALDADE, QUE TOLICE SE LHES COBRA!

 


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