quarta-feira, 13 de janeiro de 2021


 

 

REMO SOLITÁRIO I – 15 MAIO 2020

 

Contra a corrente eu remo, contra a corrente;

Contra a corrente eu vou, intermitente;

Intermitente eu vou, frequentemente,

Frequentemente me esforço em meu bracejo.

 

Contra a corrente eu vou, sempre fremente,

Fremente eu remo e nado, independente,

Independente das vagas, tão somente,

Mantendo o ponto de que a margem vejo.

 

Todo esse esforço apens por manter,

Por manter o mesmo ponto, sem progresso,

Sem progresso, bem sei, mas conservando,

 

Conservando a coragem, perpétuo meu correr

Meu correr contra a corrente e sempre meço

Sempre meço meu esforço... ainda remando.

 

REMO SOLITÁRIO II

 

Os meus poemas, eu sei perfeitamente,

Que estão fora de moda no presente,

Tantas rimas e ritmos que frequente

Assim emprego nos versos que redijo.

 

Toda a corrente a inverter conscientemente,

Voltando a um século nesta minha corrente,

Em minha corrente a insistir teimosamente:

Teimosamente minha poesia ao mar alijo.

 

Alijo ao mar da rede, mais profundo,

Mais profundo que todo o mar salgado,

Mais salgado que a corrente de meu pranto,

 

Esse meu pranto que combate o desencanto,

O desencanto de ver-me um dia triunfado,

Ter triunfado no espetáculo do mundo.

 

REMO SOLITÁRIO III

 

Contra a corrente emito minha opinião,

Contrária mesmo àquelas que hoje são

Propaladas com a maior aprovação,

Pois não me deixo influenciar pelo que dizem.

 

Ridendo castigat mores – dir-me-ão

Os meus antigos em sua trocista afirmação;

Mas não castigo os costumes que hoje estão

Pelo riso ante os caminhos em que pisam.

 

Pois seriamente demonstro ser contrário

E que me podem facilmente ignorar;

Do establishment não mais se ouve falar,

 

Mas seu poder é permanente e multifário;

Pouco me importa, sou eu mesmo e quanto penso

Proclamarei por mais que esse nevoeiro seja denso!

 

VARAL DE CULPAS I – 16 MAIO 2020

 

Temos na vida acompanhamento processual,

No qual todos só defendem a outra parte;

Advogado nos dão sem qualquer arte

Juiz escolhem de qualquer vara criminal,

A todos punição há de atribuir em seu final,

Contraventores ou não; sempre reparte

Suas penas sobre nós; não há, destarte

A menor apelação do tribunal.

 

E nem se encontram, no código penal,

Quaisquer figuras jurídicas cabíveis,

Porque os castigos são bem impertinentes,

Realmente em loteria – tanto o mal

Quanto o bem a sentenciar, indiferentes,

Tais magistrados em acórdãos discutíveis.

 

VARAL DE CULPAS II

 

Mais discutível é quem tais juízes sejam

Esses que marcam das vidas as sentenças;

Seriam as Parcas, das velhas lendas densas,

Onde quer na Noosfera que hoje estejam?

Ou os Três Juízes do Inferno, esses que ensejam

As penas a quem praticou quaisquer ofensas,

Indiferentes às súplicas mais tensas,

Ao desespero de quem os pés lhes beijam?

 

Radamanthys de Wyvern, ou Radamanto;

Aiacos ou Éaco, que dizem de Garuda,

Minos do Grifo, que bebe o nosso pranto?

Porém não creio nesse Hades dos Helenos,

Mas a suspeita de minhalma não desgruda,

De o Inferno já ser este em que habitamos...

 

VARAL DE CULPAS III

 

Pois certamente encontrei adversários

Que tanta vez me atrapalharam sem motivo,

Salvo seguindo do interesse próprio o crivo:

Por que no mundo encontrei tantos contrários?

Sempre recordo esses Tronos multifários,

Dominações e Potestades, nesse ativo

Descrever hierarquias angélicas, em vivo

Transformar o espiritual em iguais atuários

 

Aos tais que existem em qualquer democracia,

Se não corrupta, pelo menos burocrática

E tais causídicos e tais legisladores

Agem do modo que Kafka descrevia: (*)

Nunca nos fazem acusação mais tática,

Nossos desejos espezinhando constritores!

(*) Franz Kafka em Der Prozess descreve um julgamento sem acusação.

 

DESPLÁGIO I – 17 MAI 20

 

eu até mesmo gostaria de plagiar

alguns  poemas dos outros que me envolvem,

essas  palavras que no entorno se dissolvem,

me agradaria, num repente, de imitar...

mas nada encontro  que dali possa copiar,

bem maiores as metáforas que revolvem

meu pensamento, que examinam e devolvem

essas ideias prosaicas, desprovidas de cantar...

mas há muito me tornei o porta-voz

dos mortos envolvidos em mordaças,

dos animais de ilustrações escassas,

dos vegetais a espreitar de pinha e noz:

esses falam por mim em suas pirraças,

por minha saliva reidratados velhos pós.

 

DESPLÁGIO II

 

certos poetas contemporâneos admiro,

mas nenhum deles é desses medalhões

a que a crítica dirige as ovações

e os mestres universitários em seu giro,

forçando sobre os alunos seu respiro:

que bons cronistas foram, têm razões;

porém poetas proclamar às multidões,

por contrafação política é o que miro.

posso às vezes, honestamente, até encontrar

em algum romance ou em livro de história

ou em opúsculo  científico uma ideia,

de cujo texto dedico-me a pinçar,

certamente a atribuir devida glória,

que não citar sua fonte é coisa feia!...

 

DESPLÁGIO III

 

mas essa frase ou, simplemente, ideia

eu desenvolvo muito além da origem;

discordo às vezes do ponto que me impingem,

vou certamente lhes expandir prosopopeia;

também de história que o imaginar ateia,

contos de fadas que já pouco vigem

ou que os desenhos animados cingem,

furtando  um pormenor de arguta veia;

e desde o original, devolvo a forma,

em versos fáceis de se assimilar,

sem realmente saber se alguém as conta,

ou se a poética para prosa se retorna,

quando à criança se busca cochilar

e algo mais excitante ali desponta!...

 

ANTOLOGIAS I – 18 MAI 20

 

participei de mais de vinte antologias,

mediante solicitar dos editores

e seus convites variados de pendores

sempre aceitei com quaiquer ressalvas frias.

por que queriam as minhas elegias

incluir entre  suas páginas de autores,

muito diversos dos meus seus esplendores

e de tão vária qualidade as suas valias?

em geral, quem se quer ver publicado

foi mordido pelos bichinhos da vaidade:

contra os meus sempre esguicho inseticida;

mas se não visse valor no resultado

deste meu fluxo de tanta variedade,

cada poema teria há muito destruído.

 

ANTOLOGIAS II

 

vários autores de sentido inverso

se acham mesclados em um só volume;

eu apenas condescendo o meu perfume

borrifar sobre este  banho controverso;

sei muito bem a que grau se faz diverso

aquilo que escrevi do alheio lume,

contudo oculto no possível o azedume

de me encontrar em berço tão perverso.

sei o que sou – se querem misturar-me

em massa humana que tanto se afligia,

porque esses querem, afinal, ser publicados,

tenho somente meu sorriso a consolar-me:

minha vida é pouca para a obra que nutria,

suor e cinza de mistura em meus traçados!

 

ANTOLOGIAS III

 

mas tanta gente eu vejo em desespero,

querendo ver seu belo nome impresso;

que o meu imprimam de fato sequer peço,

somente leiam-se os veros é o que espero;

assim nas redes e em meu blog eu gero

versos antigos , após quebrar seu gesso;

novos envio para os ares e raro o cesso ,

mesmo os que julgo não ser mais que lero-lero!

mas como tanta vez já no passado declarei,

dos poetas mortos me julgo o porta-voz

e não me gabo de ter dos versos a autoria;

mas para essa incumbência me entreguei

e não mais quero me mesclar com alheios dós,

demais já sendo  os que a vida me daria!

 

ANTOLOGIAS IV

 

certamente vejo aqui repetições

de tanta voz que em mim receberia;

como saber de quem tal verso me viria,

na estratosférica rotação de vibrações?

mas em geral, minhas admirações

são despertadas por cada voz que pediria

que digitasse o que a mim sussurraria,

 à ideologia mesmo  a fazer admoestações.

e com esta explicação repetitiva,

não me pretendo sequer justificar,

mas sim a autores que nem sequer conheço,

mas cujas vozes recebi de oitiva,

pelos dedos da mão a registrar:

mereçam eles todo o teu apreço!

 

A PORTA DA ALEGRIA I – 19 MAI 20

 

Da felicidade a porta só se abre para fora,

qual Kierkegaard, o melancólico, queria,

já que o filósofo para dentro não podia,

por mais que experimentasse em qualquer hora.

É tão somente o exterior que nos devora;

por breve tempo toda luz cintilaria

do desejo que a felicidade nos traria,

para fechar-se nos ergástulos do outrora...

 

perdoe-me o filósofo, mas sinto em mim

essa emoção do total contentamento,

mesmo se a vida não me dê qualquer razão;

o mal externo a atuar-me pouco, assim,

quando me infunde esse pleno sentimento

que brota firme de meu coração.

 

A PORTA DA ALEGRIA II

 

Ou então brota de meu fígado hormonal,

pois facilmente produzo as endorfinas,

que à sensação de felicidade trazem rimas

e assim me iludem constantemente até o final.

 

Dizem que toda a sensação espiritual

depende mesmo dessas sutís enzimas,

o êxtase religioso em nossas sinas

e o amor de feromônios consensual.

 

Tanto o mais puro quanto o amor sexual,

o amor de uma visão da natureza,

o prazer pela leitura da poesia,

tudo surgindo da mesma fonte original

pelo fígado controlada com certeza,

como um filósofo chinês já nos dizia!

 

A PORTA DA ALEGRIA III

 

É bem verdade que, permeio à pandemia,

melhor será não se louvar nada chinês,

sequer a seda e a porcelana que, bem vês,

talvez transportem mais vírus de alergia!

 

Quem sabe mesmo se até sua filosofia

contaminar não nos pode por sua vez!

felicidade é tão somente isso que crês,

mas em estado físico igual se basearia.

 

De qualquer modo, eu sou equilibrado,

feliz me sinto a maior parte do tempo:

com coisas simples, de fato, me contento,

mas quando por qualquer mal sou afetado,

não me deprimo, sinto raiva em contratempo

e me endorfino ao lançar versos ao vento...


Nenhum comentário:

Postar um comentário