sábado, 16 de janeiro de 2021


 

ESTÁTUA NA PRAIA I – 6 JUN 20

 

Enquanto as ondas túrbidas avançam,

ela imóvel permanece sobre a areia,

o imaginar inteiro me incendeia

a contemplar seus membros que descansam.

 

Seus braços lisos para trás se lançam

e dos cabelos a desatada teia

contra a areia se roça, grega déia;

em tal reflexo os meus olhos dançam,

que raramente encontrei tal perfeição

e assim pousada nessa firme posição

para sempre até parece que estará.

 

O adorno dessa praia foi plantado

por um qualquer escultor maravilhado

por tal lembrança que sua vida encantará.

 

ESTÁTUA NA PRAIA II

 

Ali parece estar fincada eterna,

mais que Afrodite dos Helenos permanente,

mais que Astarteia seu corpo ali presente,

mais do que Freiya, em sua presença hodierna.

 

As deusas do passado na caverna

já se erodiram aos poucos, na plangente

mutação da memória desfacente,

mas ainda brotam da lembrança interna,

porque queríamos de fato, intensamente

ter entre os braços uma deusa antiga,

tal qual ansiavam os nossos ancestrais.

 

Deusas de carne a receber, placidamente,

tais ilusões que seu ideal consiga

idolatrar em heresias naturais.

 

ESTÁTUA NA PRAIA III

 

Mas não se pode é esperar jamais

que essa jovem de formosos ademanes,

identificada como Hellen Chabannes,

em seu porvir guarde as formas siderais.

 

São formosuras, ai de nós! Sempre mortais,

desvanecidas quais os velhos manes,

em cuja adoração não mais te afanes:

só por décadas possuem dons perenais

e se essa luz do sol se refletir

sobre sua pele para ser capturada

por leve toque em botão obturador,

 

Ela perdura além do seu dormir,

estátua viva pelas ondas moldurada,

mesmo incapaz de conceder-te o seu amor.

 

ESTÁTUA DE CRISTAL I – 7 JUN 20

 

Bem desejara que a estátua fosse minha

e que por Tu a pudesse então chamar,

que então viria, sorridente, me abraçar,

nesse ademane de imortal rainha!

 

Mas a maior das ilusões é pequeninha,

não existe aurora que possa perdurar,

não tem paciência o sol em seu cruzar,

logo do zênite sua esfera se avizinha

e pouco após já encontra o dealbar,

na falsa aurora do crepúsculo final

e a luz se esvai de encontro à sua silhueta.

 

Nem há esperança de um novo despertar,

pela manhã sua majestade de fanal

já não encontro a me esperar dileta.

 

ESTÁTUA DE CRISTAL II

 

Assim procuro guardar em mim a imagem,

gravada em jóis de permanência rara,

âmbar talvez, de transparência clara,

talvez rubi de rubra beberagem.

 

Talvez o ônix dos cabelos sem contagem,

talvez safira lapidada em cada apara

ou algum topázio que o coração prepara,

em sua esperança concreta de miragem.

 

Mas se esmeralda for, igual que Flora,

será então sínople, o verde da heraldia,

para esse graal de carne minha heresia.

 

Mas esta lenda de amor pertence ao outrora,

sua formosura guardarei só na lembrança,

enquanto década após década me alcança.

 

ESTÁTUA DE CRISTAL III

 

Mas com tijolos de amor cimentado a quimera,

eu construo esmeralda de crivo singelo,

perfurada sem pena, um abrigo e castelo

para o amor mais veraz e emoção mais sincera.

 

Que viesses morar, então, quem me dera!

nessa gruta esverdeada aporias teu selo,

enfim derretido o rigor de teu gelo,

em marco perene ao final desta espera.

 

Mas ai! só me sobra o punhado de poeira

que um dia de antanho já foi esmeralda

e agora se espalha na palma da mão!

 

Só me resta colar os meus lábios na beira

da taça apinhada de pó feito em calda,

engolindo os cristais da final ilusão!

 

ESTÁTUA DE ESPERA I – 8 JUN 2020

 

Voltei a essa praia e tão só maresia:

na areia aureolada um baço contorno,

em vão caminhei, dolente, no entorno,

só grãos derramados da estátua vazia,

foi presa somente na fotografia

a imagem agreste de seu corpo morno,

na mente gravada num pálido forno,

por que essa espera de que inda a veria?

 

Nudez sobre a praia é hoje comum,

processo gradual que se fez velozmente,

primeiro a cintura, depois porta-seios,

até tal momento de adorno nenhum,

o corpo mostrado de forma imponente,

da madre secreta seus íntimos veios...

 

ESTÁTUA DE ESPERA II

 

Engolindo os cristais de minha fina ilusão,

dilacero a mim mesmo sem nada encontrar

de qualquer sentimento, sem nunca te achar,

na moenda feliz da infeliz emoção.

 

Cimentei com amor e quimera a paixão,

mas não consegui quem viesse habitar

a esmeralda vazia que soube escavar,

essa espera de ti foi total sem-razão.

 

Aguardei tanto tempo, sem poder encontrar

a irmã de minhalma nos ínvios caminhos:

tornei-me o ponteiro das várzeas do tédio;

 

e contudo ainda espero que exista um lugar,

em que possa dizer, de permeio a carinhos:

“Mulher, eu te amo e não tenho remédio!”

 

ESTÁTUA DE ESPERA III

 

Para mim a nudez feminina é sagrada,

quer seja menina, quer seja madura,

na carne da velha a beleza mais pura,

sem ser por vaidade, somente mostrada.

 

Nela vejo os cristais de minha raça, mais nada;

se for muito bela, há uma certa tortura,

de não poder tê-la, tão frágil agrura,

mas seja quem for, é por mim respeitada.

 

Cada corpo que vejo reforça os cristais

ao longo dos olhos, o eterno museu,

da lágrima plena em sais naturais.

 

Cristais de bdélio ou talvez crisopraso

ou de calcedônia, seu dom todo meu,

que apenas contemplo no aguardo do ocaso.


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