quinta-feira, 7 de janeiro de 2021


 

 METAMORFOSE I (4 JAN 79)

 

Que foi que me tocou?  Os dedos leves,

A seguir-me dos malares o contorno,

Numa prece tão meiga e sem retorno,

Que apenas enviar aos deuses deves?

 

Que foi que me tocou?  Que dedos breves,

Velados apenas por véu nictitante e morno

De ofídios olhos teus, lúcido estorno

De que buscar-me o coração te atreves?

 

Que foi que me tocou?  A sensação

De ter achado, com finalidade,

A fonte meiga da emoção mais pura?

 

Só sei o que senti: leve condão,

Em suave adejo de felicidade,

Tocou-me a face e a mágoa assim me cura.

 

METAMORFOSE II (23 MAI 2010)

 

É impossível conviver sem desnudar-se:

não é somente a quebra das arestas,

nesses momentos de brigas ou de festas,

que as reentrâncias levam a fechar-se.

 

Isso é somente um tipo de catarse,

cantada antanho em multidões de gestas,

nas peripécias com que a paciência testas

os pendores podados e a espalhar-se.

 

Mas a vida em comum metamorfose

provoca num e noutra sem reserva:

algo se dá e algo se recebe,

 

por mais que se reprima tal osmose,

nossas raízes se abraçam sob a erva

e cada um o sonho alheio bebe.

 

METAMORFOSE III

 

É impossível conter essa mudança,

que nos vem sutilmente, de emboscada,

quando se vê, a alma está trincada

por esse palpitar sem esquivança,

 

muito diverso das trocas da abastança,

quando o esmeril da vida atribulada

a mente pui e a alma faz rachada:

as lascas saem, porém não há mudança.

 

É no entrechoque vital que a gente muda,

sem sentir, sem pensar; e até querendo,

pelo prazer de buscar tal semelhança,

 

quando o caráter, aos poucos, se transmuda

e a pele contra a pele vai rangendo,

nessa memória comum que a mente alcança.

 

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