sexta-feira, 15 de janeiro de 2021


 

 

BODAS DE VENTO I – 3 JUN 20

 

Por que o noivo deve vestir preto,

já que preto consideram cor de luto?

Não será um simbolismo demais bruto,

tornado o noivo simples homem-objeto?

Porque é de escuro que reveste o afeto,

quando inefável transpõe viaduto,

e incauto penetra no ansioso reduto,

nesse momento que só devia ser dileto?

 

É claro que na China era o contrário:

para exibir o luto usavam branco;

nesse caso seria a noiva a lastimar?

cada cor tendo inverso o seu fadário,

no casamento algo se vê de pouco franco,

que melhor fôra com cuidado investigar!

 

BODAS DE VENTO II

 

Que coisa triste então a monogamia!

Que metade do casal mostre tristeza,

enquanto a outra expande sua beleza

nesse dia que importante ser devia!...

A gente olhando certamente julgaria

que há sacrifício feito de nobreza:

conduz o pai a noiva, com firmeza,

enquanto a mãe pranteia de alegria...?

 

Ou é um alívio, enfim, que sentiria,

por ter sua filha ali desencalhada,

hoje que o dote não mais é requerido?

Basta uma festa ou presente serviria

para deixar o pobre noivo consolado

por seu futuro se achar comprometido?

 

BODAS DE VENTO III

 

Melhor fosse talvez poligamia antiga,

praticada ainda por povos mais sensatos,

assim evitando multidão de desacatos...

Que tal duas éguas para puxar a biga?

Enquanto o noivo, seu feliz auriga

brande o chicote feliz de dois contratos...

Ou quem sabe, se invertesse os fatos

poliândrica a se tornar essa quadriga!?

 

Quatro maridos, cada qual com a própria cor,

um amarelo, como símbolo do ouro,

um encarnado, qual prenda de um ardor,

terceiro azul, em sinal de temperança

e finalmente, um verde, qual tesouro

de várias pensões recebendo a esperança!

 

EM PELE LILÁS I – 4 JUN 2020

 

Superfície de amor, na pele eu deslizo,

deslizo minha pele ao longo da tua,

meus dedos percorrem a pele tão nua,

tão nua e macia, meus dedos de riso;

com dedos de riso a pele te aliso,

ao longo dos braços percorro tua rua,

no bico dos seios instalo minha grua,

ao longo do ventre, em busca do siso

 

perdido nos ontens, ao longo da vida,

razão nessa vida em nada encontrada,

até tropeçar em tua pele de seda;

os dedos se curvam, alavanca perdida,

num salto meu pulso encontra a morada,

ao longo do ventre, em gentil alameda.

 

EM PELE LILÁS II

 

Depois os teus dedos me tocam de leve

os pelos dos braços, gentil seu vigor,

deslizam macios, em suave frescor

e os braços se tocam em gotas de neve;

a pele das pernas nas pernas se atreve,

na carne desliza, na ânsia do ardor,

os joelhos se encontram em prece de amor

e logo se afastam no toque mais breve.

 

Tal como se os dedos o cheiro sentissem

da pele de seda, enquanto teus dedos

rasgassem meus pelos, abrindo-me a pele

e ao longo dos dedos tonturas subissem,

ao oco da alma, em veneno e segredos,

na doença do amor que o destino nos sele.

 

EM PELE LILÁS III

 

Assim eu te amo e não tenho remédio!

tua pele rescende e em aurora rebrilha,

tua pele é tocaia à espera na trilha,

teus dedos me tomam no bote do assédio!

Tua pele eu assumo, perdido meu tédio,

a minha eu rejeito e tua pele perfilha

a carne da pele e indica-lhe a trilha,

o passado tão magro e o amor é tão nédio!

 

E assim a tua pele minha pele recebe

na pele escondida em tesouro final

e a pele na pele totalmente se perde!

E a pele da língua a língua me bebe,

a boca me engole em ternura fatal,

igual foi no antanho que hoje se herde!

 

MANCHAS DE ÁGUA I – 5 JUN 20

 

Mulher, eu me perco na água da vida

que brota da pele em ternura carnal,

a água que brota da pele em fatal

corrente de óleo em aroma perdida;

 

Mulher, eu me perco na pele escondida,

minha pele na pele em arcano total,

tua pele na minha, de torno a rival,

minha pele firmando em obstinação.

Nas costas eu sinto os dedos da mão,

as unhas ardentes rasgando-me a pele

porém me obstino em igual comunhão,

 

Em ti descobrindo minha inteira razão:

que a pele na pele inteiro me apele,

que o selo da pele inteiro nos sele!...  

 

MANCHAS DE ÁGUA II

 

Pois forjo outra pele no centro da pele,

inesperada a tarefa que seja em tal hora,

a pele perdida no instante da aurora,

no ideal dessa pele que ao centro me impele,

 

Igual no passado outra pele repele

inteira minha pele exposta no outrora,

da pele minha pele lançada no embora,

na pele de sangue que a pele me apele.

 

Ao longo do leito as manchas de água,

da pele película que minha pele guardava,

que junto da pele sua pele expulsava

 

E igual que minha mãe, no instante da mágoa

ao mundo lançava minha pele total,

na pele eu repito esse arcano ritual!...

 

MANCHAS DE ÁGUA III

 

Mulher, nossa pele não tem mais remédio,

criou-se outra pele no instante do assédio,

minúscula a pele que esperas ser nédio

o fruto da pele que então concebeste!

 

E quanto tua pele outra pele gemeste,

e a pele da pele finalmente abraçaste,

a pele da pele chorar escutaste,

para sempre perdida a pele do tédio!

 

As manchas de água em água lavaste

e apenas a pele que em pele geraste,

com a pele dos dedos agora acalentas,

 

mas a pele que um dia em tua pele tomaste

tomar novamente sequer não mais tentas,

quais manchas de água que então descartaste.


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