quinta-feira, 28 de janeiro de 2021


 

 

VIDAS SOTERRADAS I – 31 julho 2020


A Foto da ilustração é de Ursula Andress, naturalmente, quem mais?


Desadormeço permeio ao plenilúnio,

Circuncidado em devaneio mais concreto,

Meus olhos facetados qual inseto,

Percorrendo a escuridão num infortúnio.

 

Nos cantos de meu quarto o solilúnio,

Que se escondera qual defunto feto,

Sua luz nas mãos em sólido objeto,

Num cintilar constante de estrelúnio.

 

E um vulto condensou-se integralmente,

O seu vapor de meu sangue conformado,

O seu desejo para mim todo voltado,

 

Essa que amei sem nunca estar presente,

Essa que lembro de mil vidas passadas

Nas mil facetas das noites soterradas...

 

VIDAS SOTERRADAS II

 

Nela percebo não mais que desvairança,

De sonhos mal havidos um composto,

De lábios ressequidos pleno gosto,

De injúrias mastigadas em bonança...

 

Porém a imagem condensou-se em esperança,

Suas feições rescendendo a pão e mosto,

Tanto prazer desmembrado do desgosto,

Tanta certeza de que ao tatear se alcança...

 

Que mulher é esta assim feita de penumbra,

No dilúculo da tarde moribunda,

Nessa memória dos extintos ventos?

 

Nesse odor que às narinas me ressumbra,

Nesse espanto que na mente se aprofunda,

Enquanto os olhos se fazem mais atentos!...

 

VIDAS SOTERRADAS III

 

Pleno e real o fantasma deste sonho,

Que sinto ainda nos dedos o macio

Da pele apeluciada... Ainda o bafio

De sua respiração...  Então me ponho

 

Ereto diante dela... Antes dormisse,

Mas estava agora em pé e a abraçava,

Sentia-lhe a carne tenra e circundava  

Com as mãos os ombros finos que cingisse

 

E as mãos dela percorriam-me a cintura,

Sólidas mãos em suas falanges delicadas,

E de seu beijo inda o sabor me permanece,

 

Tão doce a lâmia em maldição tão pura,

Criada apenas nos sabores enevoados

De meus desejos marchetados numa prece!

 

ESPASMO AZUL I – 1º AGOSTO 2020

 

Não é no toque que o presente está,

é pretérito perfeito, ainda em ferrugem,

da carne os ossos que me afeta e pungem,

gota após gota, em lembrança que ainda há,

nessa visão de mil sóis, que nos fará

entretecer de rosas compostas de penugem

um amor verdadeiro, qual nos fulgem

as visões de um só momento ao deus-dará...

 

a lua fulge bem no fundo da retina

e o sabor do sol devoro, enquanto

o vento eu bebo e beijo o meu espanto

e me derramo no cintilar da dançarina,

em um espasmo azul de puro pranto,

que me devora a vida em lamparina!...

 

ESPASMO AZUL II

 

Tinha ponteiros, como duas navalhas,

que o peito abriam para deixar recado

à vida e à morte nesse instante consagrado,

contigo um só, permeio às maravalhas;

a morte é a vida que sobre mim espalhas

e a vida é a morte nesse instante alado,

nesses instantes em que amor é perpetrado,

os dias a escorrer em brancas falhas...

 

Não que inda viva nesse dia perdido,

na vida atual é que morro em cada dia,

nem é no sono que se tem descanso,

que é só então que me percebo tido,

em plenitudo, no espanto do remanso,

ao se apagar a luz da estrela-guia.

 

ESPASMO AZUL III

 

Contei em versos.   Eu fiz, no meu segredo,

mostrando ao mundo o que ninguém sabia,

contando ao mundo o que nem em queria,

porém o verso me escapou, fugindo a medo.

Bem preferia ter ficado em seu degredo,

mas enjaulado em mim, se desfazia,

sem poder demonstrar-se à luz do dia,

entre os neurônios de constante enredo...

 

Meu devaneio tão escuso pensamento,

que abriu as válvulas de meu coração

e revelou-se na fúria de um momento

e então o poema se escapou, em confissão,

a revelar em seu estranho julgamento,

quanto eu amava em meu querer em vão.

 

EM OXÍMOROS INCOERENTE I – 2 agosto 2020

 

Na vaidade do sufrágio nunca tido

e que de fato nunca busquei ter,

às eleições fugindo concorrer,

na santa paz da dor tenho vivido,

na agitação do descanso mais comprido,

na luz esquiva que jamais vou acender,

na clara escuridão de meu prazer,

enquanto a solidão tem-me acolhido,

escusa a fome do amor já satisfeito,

na locupletação de meu vazio,

nos artifícios a bailar sinceridade,

no bom sucesso de qualquer sonho desfeito,

na vergonha permanente de meu brio,

na exaltação de minha mediocridade.

 

EM OXÍMOROS INCOERENTE II

 

Pois nesse masoquismo fujo à dor

e nesse meu sadismo espalho o bem,

nesse advento em que a morte me contém,

no som extinto de um futuro promissor,

em que a verdura prospera no calor,

em que fenece a folhagem se a água vem,

queima a umidade a esperança além,

afoga o fogo um vapor constrangedor

e assim se afirma tal contrariedade,

nessa mágoa da plena concordância,

em que o amor seco fervilha de rancor,

da luz brotando tal obscuridade

que a treva brilha de insignificância,

neste meu medo corajoso de vigor.

 

EM OXÍMOROS INCOERENTE III

 

Quebrada a luz, o som todo apagado,

por vento escuro e azul feito abandono,

de chuva verde e seda, aqui ressono,

num palpitar de sangue coagulado;

aberto coração, flor insincera,

centelha fria, orgasmo insuspeitado,

lava que brotada em pranto deliciado

pela própria razão feita quimera

e cego fico apenas por momentos,

a luz enxergam ouvidos multiatentos,

o som a percutir numa cratera

da órbita vaga perfurada nesse instante,

pois só concebe o verso palpitante

quem vê na sombra o sol da primavera.

 

EM OXÍMOROS INCOERENTE IV

 

E nessa ausência sinto-me presente,

por minha vida a manter-me falecido;

de minha memória a conservar o pleno olvido

e do vasto esquecimento estar ciente,

em minha cegueira de luz tremeluzente,

em meu tímpano doce gosto percutido,

no paladar de palha o odor nascido,

em meu olfato o som mais persistente,

que nada tange meu tato de impaciente

preso em calor esfuziante de um inverno,

sempre no frio do verão sendo afligido,

perante este poema estando ausente,

que só a ausência o coração torna mais terno,

todo afogado em teu olhar hoje perdido.

 


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