terça-feira, 5 de janeiro de 2021


 

 

SILHUETAS BRANCAS I – 18 ABR 20

 

Se o mundo fosse negro, a tua silhueta

seria branca em plena solidão,

não multicor, qual quer o coração,

forte o contorno que tal pressão afeta;

cada linha circundante que completa

o campo branco em sua afirmação

a empurrar para trás a escuridão,

nessa imagem invisível mas dileta.

 

Mas sendo o mundo de fato colorido,

a tua silhueta se apresenta preta,

mais um borrão, contudo impermanente;

terá o negro mais força em seu olvido,

ganha das sombras que ao redor projeta,

sem o multicor resistir mais firmemente.

 

SILHUETAS BRANCAS II

 

Mais uma sombra pelo mundo se desloca

do que uma nuvem pura de brancor,

a recobrir quanto existe multicor,

num movimento a que o olhar se enfoca;

silhueta branca em seu refúgio entoca,

sem conseguir afirmar o seu pudor,

por mais que seja puro o seu vigor,

ao deslocar-se, seu contorno se reboca

 

com a argamassa do mundo ao derredor,

com o arco-íris tardio a se mesclar,

já que o branco de toda cor é o resultado,

enquanto o negro apenas nega a cor,

mesmo esticado em seu longo projetar,

mas sem nada conservar do conquistado.

 

SILHUETAS BRANCAS III

 

Silhuetas brancas irão adsorver (*)

as cores ao redor, cada nuance,

que em torno se encontre a seu alcance,

silhuetas negras somente a escurecer

e contra esse cenário a se mexer,

sem nada conquistarem que descanse,

mesmo na noite que toda a cor balance,

tudo se encontra ali para se ver.

(*) Prender a seu redor.

 

Dominaria só se o mundo fosse branco,

mas seu poder é apenas aparente

e de nenhuma escuritude arranco

tua silhueta a abraçar, por mais sutil

que para mim colorida se apresente,

numa guirlanda reluzente como anil.

 

SILHUETAS BRANCAS IV

 

Mas tua silhueta só existe no mental,

teu corpo é sólido a cada vez que o beijo,

multicolorido inteiro é meu desejo,

vermelho e rosa o seu poder carnal;

teu vulto eu amo com fragor real,

embora oscile, talvez, em cada ensejo,

busca o negror em seu fugaz adejo

e o táctil branco em seu gozo material.

 

Tuas silhuetas colorizam minha lembrança,

como translúcidas nervuras de um arco-íris,

iguais miragens transparentes de calor;

mas enquanto a carne natural se alcança,

não importa a intermitência com que gires,

cada silhueta amplifica o meu amor.

 

SILHUETAS BRANCAS V

 

Igual silhueta enxergo o meu cansaço,

nem pena branca nem bloco de negror,

mais na tendência de um pálido cinzor,

mas da fadiga me esqueço em teu abraço;

como silhueta percebo o doce laço

de sombra e nuvem alternante de pendor,

a cinza pálida a refletir fulgor,

a sombra negra transparente a cada passo.

 

Como silhueta percebo o teu regaço,

a cada vez que sobre ele me debruço,

alabastrino seu perfume de magia;

como silhueta percebo o tempo escasso

em que o olhar por sobre o teu aguço,

qual madrepérola que na sombra refulgia.

 

DOR E POESIA I – 19 ABR 2020

 

A dor não passa por descrença alheia,

quando nos olham e mesmo nos invejam,

quando parece que os fados nos ensejam

a riqueza que brilha e a glória que incendeia.

 

Quando parece que do amor a veia

nos enche de alegria e então alvejam,

com dedos de rancor, por mais que estejam

tão enganados quanto ao mal que nos anseia.

 

Porque dor não se enxerga, se a coragem

nos mantém em disfarce sorridentes,

quando nos veem e parece nada temos,

 

quando não sabem a mágoa que escondemos,

juntas e músculos em igual miragem,

seguindo em frente e à pena indiferentes.

 

DOR E POESIA II

 

De modo igual, quando alguém de dor se queixa,

podemos encará-la em plena simpatia

ou até mesmo partilhar com empatia,

mas penetrar na dor ninguém nos deixa.

 

Por mais que o sofrimento ali se enfeixa,

a dor pertence somente a quem sentia;

de fato o egoísmo até mesmo a ampliaria,

a reafirmar sua pena a cada endeixa.

 

Mas como, realmente, não se sente,

mesmo que hoje existam aparelhos

que nos permitam medir a intensidade,

 

é qual fantasma que nunca se apresente,

salvo quando nos pisem nos artelhos,

mas já essa é outra dor na realidade...

 

DOR E POESIA III

 

Tudo encarado, a dor é mesmo um dom

que com ninguém pode ser compartilhado

e as próprias dores que sentimos no passado

são endorfinadas de seu primevo som.

 

E se da própria dor esquecemos o amplo tom,

nosso consciente em breve já aliviado,

será impossível sofrer igual cuidado

por dor alheia, um mecanismo bom,

 

que nos impede de ficarmos loucos,

sentir a dor alheia algo de horrível,

como diziam que na cruz Jesus sentia,

 

um castigo que suportariam muito poucos;

mas me limito a tornar a dor sensível

e transformá-la em blocos de poesia...

 

DOR E POESIA IV

 

Não me refiro somente à dor moral,

que em tese seja bastante compreensível,

lugar-comum se afirmar ser impossível

ser um poeta sem tal dor espiritual.

 

O que eu sei é da dor mais material,

quando em mim sofre parte perecível,

que a utilizo como ardente combustível

para uma resma de versos mais carnal.

 

Mas tu que lês me encaras com descrença:

que uma enxaqueca em versos se transforme!

Ou a dor aguda que sente o pé torcido?

 

Mas sempre fiz assim: que a dor pertença

ao âmbito poético, em versos mais conforme

com o ardor moral que mais fácil seja crido...

 

ADIAMENTOS I – 20 / 4 / 20

 

Nunca fujo ao trabalho, mas há coisas

que quando posso adio constantemente,

nem sempre a mais difícil ou mais ingente,

talvez as rimas mais raras de se achar;

numa expressão corrente sobram “loisas”,

que talvez sejam “lousas” realmente;

então as venho pospondo de indolente,

até que solução melhor possa encontrar...

 

mas tudo isso não passa de tolice,

as vagas buscas de ritmos e rimas,

essa ânsia de futuro e de fascínio,

porque destino não passa de crendice,

os fatos surgem em surtos como mimas

e após seu auge só pode haver declínio.

 

ADIAMENTOS II

 

Não obstante, será que um auge existe?

Ao menos para mim, tudo é rotina,

cada emoção que me alegra ou me assassina

eu transformo moralmente em meu alpiste

e a autopsio segundo em mim insiste,

como um pássaro cujo gorjear fascina,

mas que canta por instinto que o domina

e sigo essa emoção que em mim aviste.

 

É mais um surto de escolhido tema,

que em sonetos a fio então persigo,

até que passe o seu real declínio,

mas não porque quebrei a estranha gema,

é que a novo surto de versos eu me ligo,

ante o brilho a cintilar de seu fascínio.

 

ADIAMENTOS III

 

Na verdade, nunca pensei que fosse assim;

sempre gostei dos versos de poetas,

mesmo em criança, quando mais diletas

são as histórias em prosa de aladdim...

mas esses ritmos incorporei enfim

e inicialmente, com intenções secretas

a outros atribuía as próprias setas;

de alheios versos compus música afim.

 

Naturalmente, seus defeitos corrigia,

de concordância ou qualquer rima insegura,

para mais bela tornar minha partitura

e aprimorava qualquer poema que trazia

algum amigo ou amiga mais ansioso,

seu resultado tornando mais formoso.

 

ADIAMENTOS IV

 

E de repente, versos próprios me saíam,

audaciosos e até mesmo irreverentes,

pouco importando se deixavam descontentes

a meu redor alguns desses que os liam,

ou que de minhas metáforas alguns riam,

nas incertezas que a inveja traz assentes

ou nesse espanto de versos surpreendentes;

logo algum tema de mim já requeriam...

 

Mas desde então eu já negava ser poeta

e ainda hoje encaro em incerteza

que essas frases de pendor iridescente

de fato sejam minhas na indiscreta

convicção que me impuseram tal proeza,

por mais que a renegasse inicialmente.

 

VERSOS AMBARINOS I – 21 ABR 2020

 

Pensam alguns que só um amor apaixonado

permite a alguém redigir versos de amor

e tantos outros os declaram sem valor,

como um esforço passageiro e descuidado.

 

Mas não preciso me achar enamorado

para escrever tantas frases com vigor,

apenas lembro um velho encanto de calor

e por tal morta emoção sou inspirado

e nesses tempos em que nutria uma paixão

até descria de que versos majestosos

razão tivessem se não fossem amorosos...

 

Porém não é assim que brota a inspiração,

porque o amor de fato nunca morre,

mesmo quando entre os dedos nos escorre.

 

VERSOS AMBARINOS II

 

Não acredito que um clímax se atinja

mais permanente que transitório orgasmo;

olho ao redor, na tonteira de meu pasmo,

cada elemento a escolher do que me cinja.

 

É necessário, entretanto, que se finja

o desencanto contido no marasmo

e a alegria exultante do entusiasmo:

faço exercícios diários como um ninja,

mantendo assim aberto, permanente,

este canal que conduz não sei aonde,

essa pressão de uma eclusa aberta.

 

Embora, às vezes, por receio tente

por não saber em que lugar se esconde,

conter essa torrente em mim desperta.

 

VERSOS AMBARINOS III

 

Na verdade, uma corrente de cachoeiras,

tal e qual as Sete Quedas do Iguassu,

que uma grande barragem a nível cru

apagou de nossas terras brasileiras.

 

Sua erosão a meu peito pôs a nu,

mas nunca passam as águas derradeiras,

as rochas se ressaltam das pedreiras,

surgem raízes resistentes com ombu, (*)

porém o que me deixa apalermado

é a quantidade de rascunhos que guardei,

seus números a subir constantemente.

(*) Frondosa árvore típica do pampa, que cresce em solidão.

.

E assim me vejo com frequência pressionado,

pois de fazer versos novos não parei

e então me afogo em redemoinho permanente.

 

VERSOS AMBARINOS IV

 

Quase sempre passo a limpo os mais recentes,

cujos lamentos a pele inteira me percorrem;

já nas gavetas os mais antigos morrem

e é preciso replantar as suas sementes.

 

Ressurreições só ocorrem infrequentes

e tantos novos diariamente acorrem

que umas novas prateleiras já me forrem

e me parecem ser tarefas mais prementes.

A musa antiga era menos exigente,

porém requer para si ilustração:

guardo cem ppt’s em meu arquivo...

 

quando os resgato, sua fome é inclemente,

alguns me rasgam a pele e o coração,

outros me obrigam digitar com sangue vivo!


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