sábado, 13 de fevereiro de 2021


 

 

ADMINÍCULO (Subsídio) I – 18 jun 09

 

Quando me falam do eterno feminino...

Tão transitório que a imagem de um espelho

reflete um rosto, apenas... Rosto velho,

que é tão mais moço que o rosto do destino.

 

Seu reflexo tremeluz, nada parelho

À memória de um semblante bem mais fino,

Ah, que guardar conseguisse o peregrino

Rosto corrido pela velhice a relho...

 

A mim, me importa pouco.  Sempre falam

que o homem, muito menos que a mulher

desgasta o rosto e o corpo; porque suga

 

toda a beleza o espelho; e cada ruga

é provocada por visões que calam

muito mais fundo em quem menos as quer...

 

ADMINÍCULO II – 5 out 2020

 

Não vou mentir que me agrade tal visão,

meu cabelo está mais ralo e engordei,

porém com isso eu já me acostumei

e nem me importo com maior degradação.

 

Lastimo mais é ver musculação

muito menor do que antes ostentei;

nunca fui a academias – trabalhei

é deste modo que mais fortes ficarão.

 

Mas só ao computador me sento agora

e já nem peso me deixam carregar:

é coisa clara haver certa decadência...

 

Mas o reflexo sobre o espelho não demora,

sequer após o banho a se espreitar,

de passar a limpo os versos há premência!

 

ADMINÍCULO III

 

Como seria se fosse então mulher?

a maquiagem pelo rosto a disfarçar,

aramezinhos sob rugas a enfiar,

algum colágeno a melhorar o parecer?

 

Em instituto de beleza eu nem sequer

entrei, salvo da hora de ir buscar

a minha filha ou meu neto ali pegar,

mais me incomodam os joelhos a doer...

 

porém, de novo, se mulher eu fosse,

por que na face se inicia o envelhecer,

antes dos seios até mesmo em descair?

 

Enquanto o restante do corpo ainda é doce,

o feminino sempre ali a permanecer

de certo modo, até o espelho se iludir...

 

ADMINÍCULO IV

 

O subsídio é o espelho que recebe:

ele roubou a beleza de seu rosto,

ele antecipa a hora do sol posto,

todo o frescor a sua imagem bebe!

 

Dorian Grey ao contrário se concebe,

de seu sorriso a mulher já perde o gosto,

de sua bela eucaristia foi-se o mosto,

só a hóstia das mãos finura embebe...

 

Não é de fato que perdesse sua beleza,

o seu reflexo ainda guardou fotografia,

por isso tantas expõem a sua nudez,

 

sem impudicícia e sem qualquer vileza

e nem vaidade as então incitaria,

apenas prova a contrariar o que hoje vês...

 

OVOS DE SONHOS I – 6 OUT 20

 

O antigo gosto de teu beijo ardente

ainda ressaiba no paladar memória;

foi eterno esse momento de minha história,

como é perene a lembrança assaz frequente!

Sei que a meu lado continuas bem presente

e ainda recebo o teu sabor em glória,

mas outros beijos degustam como escória

se comparados ao antigo beijo ausente...

 

Pois nunca mais de tal jeito me beijaste,

mesmo nas vascas intensas do prazer

dos mil orgasmos que tanta vez te dei;

pois foi como em tal beijo me sonhaste

e desde essa noite me sinto a perceber

que só existo nessa vez que te beijei!

 

OVOS DE SONHOS II

 

Pois me parece que puseste dentro em mim,

naquela noite, inteira a tua semente,

depois chocando no meu peito ardente,

para eclodir num vasto amor assim!

E rebrotar num sonho de arlequim,

eternamente no coração presente,

mil radículas espalhando pela mente,

como se apenas para isso eu vim!...

 

Por esse beijo então me fecundaste

e rebrotou em meus versos de espanto,

fina muda plantando em meu quiasma

ótico; e então tua imagem provocaste

das pupilas permanente em cada canto

de forma tal que tua visão me orgasma...

 

OVOS DE SONHOS III

 

E quantos sonhos brotaram desses ovos

que deixaste em minha boca com saliva!

Esse ósculo de amor foi coisa viva,

a provocar em mim desejos novos,

que de nós dois brotariam grandes povos,

tornando a humanidade mais ativa,

originando uma ciência produtiva,

no pensamento melódicos renovos!...

 

De uma só vez tu inseriste em mim

um parasita da maior estimação,

do qual jamais desejo me livrar,

mas conservar da vida até o fim,

ovos de sonhos em constante gestação

que sobre o mundo eu possa descascar!

 

FANTASMAS AZUIS I – 7 OUT 2020

 

Pouco resta do amor, amor tão morno,

amortecido esse amor, amor mortalha,

amortalhado amor, amor que falha,

amordaçado amor, sem mais retorno...

E eu que quisera tal amor fosse um adorno,

esse adornado amor, essa acendalha,

esse mortiço amor, amor sem malha,

amor malhado em lançamento estorno...

 

Qual estorninho à beira do caminho,

esse amor que apenas pia quando amorna

e morno apenas sobrevive na ilusão

de pequenino amor já sem carinho,

o antigo amor que em novo amor retorna

e apenas este amorna agora o coração...

 

FANTASMAS AZUIS II

 

Porque amores de antanho são fantasmas,

azulados nessa bruma que se forma

sobre os pântanos da mente em que se amorna

a melancólica visão em que te pasmas...

Amor pasmado em que não mais orgasmas,

amor fantasma já não mais exul,

amor faminto a retornar-te azul,

imagem vaga conservada nos quiasmas...

 

Mas que de fato não podemos esquecer,

quedou-se ali em recordação inválida,

inválido esse amor só de lembrança,

lembrado amor, que não deseja ser

só falecido amor, memória pálida,

que nem sequer suspira de esperança...

 

FANTASMAS AZUIS III

 

Por que persiste esta fantasmagoria

e por que como azulada a percebemos?

Por que é uma bruma que ainda percorremos,

Por que nos chama da azulada fantasia?,

Por que tem tom de blau melancolia,

Por que em ciano amor morto percebemos,

Por que ao contrário não o enverdecemos

Ou o ressecamos e o deixamos sem valia?

 

Amor fantasma, mas não assombração:

se alma penada aqui existe, somos nós,

que não queremos o amor morto sepultar,

nem lhe podemos atribuir ressurreição,

por mais que em fogo-fátuo corra empós

esta alma vaga-lume sobre a relva a cintilar!

 

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