sábado, 20 de fevereiro de 2021


 

 
O VINHO E A GUERRA I – 9 NOV 2020
 
Muitos anos atrás, um poema redigi,
“A Pira de Alceu”,  depois de ter escrito
“A Pira de Safo”, em que ao poeta maldito
seu ponto de vista, atrevido, eu assumi.
Há um mês ou dois meus arquivos remexi,
mas não pude encontrar do poeta ínclito (*)
a homenagem de louvor com que o então cito,
não acredito que tais versos eu perdi,
se bem que sejam já tão numerosos
que nem mais reconheço a maioria,
mas sempre posso essa “Pira” refazer;
porém de Alceu seus versos prodigiosos,
provavelmente não mais se poderia
encontrar, depois de tanto se perder...
(*) Maldito na Idade Média; ínclito pelo seu real valor.
 
 O VINHO E A GUERRA II
 
Alceu de Mytilene foi um lírico poeta,
criador do ritmo ou da estrofe alcaica,
as traduções em forma mais prosaica,
não mais que fragmentos se coleta;
Aristófanes de Byzancio uma completa
série de versos, em sua língua arcaica,
o eólio, recolheu, variante dessa acaica,
de que deriva a língua helênica dileta;
Aristarco de Samotrácia, no século terceiro,
já três séculos depois do passamento,
compôs dez livros, mas todos se perderam;
em sarcófago talvez, algum inteiro
ainda se encontre, em igual procedimento
aos versos de Safo, que assim se recolheram.
 
O VINHO E A GUERRA III
 
Viveu Safo na mesma época que Alceu,
de quem foi amante, embora ocasional,
ambos marcados pelo exílio, triste mal,
revogado a seguir, quando o tirano faleceu.
Alceu os versos de Safo declamou e defendeu,
sendo esta mulher, em desprezo natural
entre os gregos de seu período original,
depois “Décima Musa” em apelido recebeu...
Enquanto sua obra era bonita e delicada,
a de Alceu era bem mais forte e violenta,
louvando o vinho e as artes da guerra,
certamente por Dionysos inspirada
e no meu próximo soneto algo se atenta
de descrever  o que sua obra encerra.
 
O VINHO E A GUERRA IV
 
“A pátria não são palácios e muralhas
e nem aqueles que duros a governam,
porém os homens que nela se alternam,
geração após geração em longas calhas.”
“O pescador Diotimo nem sequer de palhas
um leito possuía; só em seu barco adernam
a terra e o mar, até que raios o internam
em uma pira sobre a água em acendalhas.”
Também descreveu palácio e tempestade,
as lendas de Callisto e a de Pasifaé
e os Hierógamos, sagrados e astuciosos;
mas pouco resta de vasta quantidade,
apagados por monges, em autos-de-fé,
para escrever palimpsextos religiosos.
 
MENDICÂNCIA MENTAL I – 10 NOV 20
 
Escrevi ontem sobre Sappho e Alceu,
cujas sombras certamente hoje me inspiram;
a meu redor gentis espectros giram,
talvez se explique a variedade que acolheu
meu pobre estro, que apenas recolheu
os sussurros de antanho e forma deram
aos inconsúteis que no vento se perderam:
tantas vezes já afirmei nada ser meu!
Desses poetas mortos sou mendigo,
não que suplique, mas recebo esmolas,
com  que posso minha tigela completar;
eles se erguem do pó de seu jazigo
e me atam nas mãos as suas argolas,
que a obra antiga eu possa completar!
 

MENDICÂNCIA MENTAL II

 

Quando busco empreender uma temática,

por minha conta e risco, peço a Apollo

que me auxilie, sem desdém ou dolo:

lanço minha prece detalhada e enfática,

porém percebo cada frase estática,

sem a fluência do turbulento rolo,

como acontece quando sinto ao colo

alma perdida a murmurar didática...

Embora as Musas sejam filhas da deidade,

é por Dionyso que se apaixonaram,

quando ao amor e ao mosto se entregaram

e então me buscam através da antiguidade,

essas obras que jamais se completaram

que me transmitem em sua integralidade.

 

MENDICÂNCIA MENTAL III

 

Bem mais comum é que, diretamente,

meus conselheiros saiam dos jazigos

e me venham pedir, igual mendigos,

que lhes complete o que morte inclemente

os impediu de fazer.  Cordatamente,

eu os recebo quais meus bons amigos

e ora descrevo seus amores e perigos,

na melhor exatidão que sou potente.

E ao mesmo tempo, revelo mendicância,

pois então também me vejo a suplicar,

sou eu que ganho o quanto me vêm dar

e assim repito, com frequente instância,

frases de ódio que nunca experimentei,

frases de amor por quem jamais sonhei...

 

PÉROLAS VERMELHAS I  (12/1/2009)

 

Mulher, que te amo é coisa que bem sabes:

foste tu mesma que buscaste a unidade

e assim me sinto em plena liberdade

de escravizar-me aos sonhos em que cabes

como rainha e princesa, deusa e fada,

de quem eu sou humilde menestrel,

nessa batalha que não tem quartel,

porque jogral nunca fere a idolatrada,

 

mas só recebe seus golpes, sorridente,

por mais que doam, porque dela provêm:

sofrer por ela sendo até felicidade,

igual que um escudeiro, fiel crente

da religião do amor, que lhe convém,

por mais que saiba só granjear saudade...

 

PÉROLAS VERMELHAS II

 

Melhor parar aqui, sinto a maré

se avolumar em mim, onda traiçoeira...

Para onde levará?   A ribanceira,

assim tomada por forte macaré...?

Estes versos de ti, o balancé

de sentimentos de tua alma ligeira,

que tanto muda e se desfaz, brejeira,

me arrastam para onde não dá pé...

 

E assim me afogo, mulher, nos teus afagos,

seguidos por gelado afastamento

e nem sei remendar meu coração.

Sorvo a salsugem em salgados tragos,

mal aflorando após o afogamento,

nas multicores vagas da ilusão...

 

PÉROLAS VERMELHAS III

 

Quando chegas até mim e teu impacto

de novo acende a fogueira de minha vida,

meu pensamento, a contragosto, dá guarida

a essa reinvasão, ao novo pacto...

Não com demônios, só em ti me capto,

vendido inteiramente em tal surtida,

sem qualquer recompensa da investida,

somente a mim me vendo, no compacto...

 

Sem ter certeza de haurir amor um dia,

em troca de minha alma desvalida,

que se entregou de novo, inteiramente...

Nada me resta, senão essa elegia,

de ter a própria corrente refundida,

para atrelar-me a teu sorriso novamente!...

 

PÉROLAS VERMELHAS IV – 11 nov 20

 

Eu nunca sei para que lado oscila

o teu humor, mulher, que tanto adoro:

já de há muito cansei, nem mais imploro

que me sejas constante, nessa fila

de emoções...  Que o teu olhar cintila

e novamente me impõe o antigo foro,

e assim me fazes enfrentar variável coro,

que a pretensão do peito me aniquila...

 

Nem que tanto me comova a tua beleza,

mas vejo meu destino, em inocência,

na singular firmeza de teus traços..

E me contento, sem qualquer certeza,

em esperar, na mais fiel paciência,

o dia em que te entregues a meus braços...

 

PÉROLAS VERMELHAS V

 

É cristalina a esfera desse beijo

que a bola de cristal já nos destina:

está à nossa frente e se combina,

de forma tal que renova o seu ensejo.

Nada o afasta de nós.  É benfazejo

o futuro que se acusa, vasta mina

que se escava lentamente e nos ensina

melhor paciência para maior desejo.

 

Porém paciência é tão estranha trama!

Aos poucos, envenena o que reclama

e deixa para trás o mais querido,

pois há limites para o alvo perseguido:

nem sempre quem espera tudo alcança,

muito mais fácil se encontrar desesperança... 

 

PÉROLAS VERMELHAS VI

 

Algumas vezes, pensei em te possuir,

inteiramente, de alma e corpo assim,

por mais que essa tua alma de jasmim

valesse tanto em seu fugaz sentir.

Algumas vezes, pensei em conseguir

guardar o teu desejo só pra mim:

que tal desejo não tivesse nunca fim,

mas perdurasse enquanto eu existir.

 

Melhor que eu és tu, essa a minha história:

só poderás ser minha em contraponto,

julguei digno de ti somente um deus...

E agora vejo, ao alcance da vanglória,

que posso te possuir... a certo ponto,

pois nem todos teus anseios serão meus...

 

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