domingo, 28 de fevereiro de 2021


 

PORTULANOS I  (5/2/2009)

 

É claro que me importo com quanto me acontece,

se bem que desta vida já sinta algum cansaço.

É como se tivesse dobrado a esquina e o passo

percorre um outro mundo e logo se enlanguesce.

 

Nem é que me abalance a enviar aos deuses prece.

Bem sei que não se importam. Seu fulgurante abraço

só nos abarca enquanto nos armam forte laço,

para cumprir seus desejos.  O véu então nos desce

 

sobre os olhos incautos e, assim, subitamente,

nós somos transportados a um mundo paralelo,

onde tudo é igual e tudo é diferente...

 

E sinto, com frequência, que meu velho novelo

parou de se enrolar e que um novo, onipresente,

se apoderou de mim, em mil cristais de gelo...

 

PORTULANOS II

 

Eu sei que outros de mim por outras sendas trilham

e a mudança assim fugaz passa desapercebida

desses meus duplos, ainda que sua vida

tenha sido mudada.  E assim se desvencilham

 

dos antigos amores, enquanto novos brilham;

dos antigos temores, porém de um novo a lida

acaricia suas faces, em ânsia desmedida,

surgindo novos muros no lugar dos que se estilham.

 

E assim transcorre isso a que chamam de milagre,

que nos renova a vida, em meiga exaltação,

embora precisemos de pôr pesos na balança...

 

Um tem de se ferir, para que outro se consagre:

talvez outro de mim, no fervor de sua oração,

ocupe o meu lugar e roube-me a esperança...

 

PORTULANOS III

 

Mapas antigos eram estes portulanos,

empregados em Portugal antes da Renascença,

já na Baixa Idade Média a sua nascença,

pouco a pouco corrigindo-lhes enganos.

 

Nos velhos pergaminhos antigos danos

iam sendo reparados após jornada densa,

linhas retas com distâncias em presença

a indicar-lhes as sendas dos afanos...

 

certeza havia das terras do Ocidente,

já visitadas por Dom Sancho Brandão,

bem conhecidas dos nautas venezianos,

 

o pau-brasil a se empregar frequentemente,

como comprovam certas demolições

ou mobiliários que atravessam tantos anos!

 

PORTULANOS IV – 4 jan 21

 

Também Bretões e Bascos cá vieram,

além de Genoveses, talvez de Marroquinos,

há pau-brasil em recantos tunisinos,

como prova que mercantes aqui estiveram.

 

Tanto que o nome da terra não puderam

trocar por Santa ou Vera Cruz mais finos;

matas roçaram os famintos peregrinos

e do nome de Brasil não se esqueceram.

 

O lenho rubro permanece em nosso nome,

os velhos barcos eram chamados brasileiros,

por transportarem a madeira de valor;

 

da profissão dos mercantes de renome

fomos chamados pelos estrangeiros,

unico povo designado por labor!...

 

PORTULANOS V

 

De portulanos não dispunha o Genovês,

a serviço de Isabel, rainha da Espanha;

os Portugueses reservavam essa manha

somente para os seus, com robustez!

 

Porém Martin Weissmüller, por sua vez,

seu mapa-mundi gravou com grande sanha,

sem conhecer realmente essa artimanha;

 Colombo o viu; e usando de desfaçatez,

 

lançou-se ao oceano, em desconhecimento,

tão somente no impulso da coragem,

mas justamente onde a distância era maior!

 

Em linha reta nesse empreendimento,

muito mais tempo na oceânica paragem

que os Lusitanos empregavam sem temor!

 

PORTULANOS VI

 

Admirável é que o tenha conseguido,

mesmo tendo Vespúcio de seu lado,

mais pretencioso o piloto que educado,

seu percurso erroneamente concebido.

 

Mas novo mapa foi logo redigido,

seguindo o mesmo roteiro mal traçado,

mais para o sul o Amazonas alcançado

e todo o norte do Brasil já percorrido

 

por Orellana e pelos irmãos Pinzón,

dois anos antes da chegada de Cabral,

o qual seguiu, porém, caminho bom,

 

para o sudeste indicando os portulanos,

tomando posse da Bahia, em triunfal

demonstração do saber dos Lusitanos!

 

PORTULANOS VII – 5 jan 2021

 

Esses tal rota perfeitamente conheciam,

mas que envidavam as riquezas dos Indianos;

Vasco da Gama com seus próprios portulanos,

que um traçado correto lhe trariam.

 

Desta forma, em Calicute aportariam,

conhecida deste o tempo dos Romanos,

os seus cais encontrados sem enganos,

durante séculos em que ali comerciariam.

 

Porém forçados a descer o Mar Vermelho

após viagem pelo Egito, cansativa;

um faraônico empreendimento se tentara

 

para abrir um canal a suor e relho,

mas embalde!  Fracassara a tentativa,

que a escavação com areias se atulhara!

 

PORTULANOS VIII

 

Mas foi somente depois que a exploração

dos Espanhóis até o Rio Grande do Norte

lhe trouxe inquietação de grande porte,

que se enviou de Cabral a expedição,

 

sem pretender-se sua colonização,

mas apenas a ereção de padrão forte

que afirmasse a portuguesa sorte,

tomada a posse oficial dessa região!...

 

Da qual só se explorava o pau-brasil,

o interesse só então na especiaria,

que o ilustre Gama de fato obteria,

 

comprada lá no Oriente a preço vil,

aos Europeus vendida a preço de ouro,

do Império Português o nascedouro!...

 

PORTULANOS IX

 

Talvez existam certos mundos paralelos,

sem que tivessem para eles portulanos,

quem os envida comete os seus enganos,

talvez desertos encontrando ou vastos gelos,

 

alguns horrendos, outros muito belos,

tais quais descrevem ancestrais arcanos,

muito diversos dos mapas lusitanos,

muito imprecisos se pudessem vê-los.

 

Os alquimistas e os místicos de antanho

afirmavam ser possível alcançá-los

e nessa busca alguns mesmo se perderam,

 

na maioria tentativas sem mais ganho,

igual Colombo, sem mapas a apoiá-los,

sabe-se lá por onde e como desapareceram!...

 

PORTULANOS X – 6 janeiro 2021

 

Contudo, é no Talmude mencionado

dos milagres a explicação plausível,

que Jehovah é onipotente, mas incrível

que as próprias leis o Senhor tenha quebrado!

 

Para o milagre ser assim realizado,

Deus nos transborda a real mundo possível, 

dos quais existe suprimento inexaurível,

pois Deus já fez o quanto é imaginado!

 

Não é possível que nossa mente limitada

alguma coisa seja capaz de conceber

que por Deus não tenha sido já criada,

 

no pluriverso algures infinito

e caso Elshaddai queira atender,

nos levará a qualquer ponto desse mito!

 

PORTULANOS XI

 

Mas esse ponto deve ser bem parecido,

a diversidade nos enlouqueceria;

se for assim, alguém em outro se acharia,

sendo um lugar de antemão já concebido.

 

E Adonai, caso atenda a algum pedido,

parte do mundo por outra trocaria,

esse portento assim realizaria,

sem que por outros fosse percebido.

 

E só assim se atenderiam orações,

caso proferidas sejam com imensa fé,

nem toda prece respondida é,

 

por uma troca entre duas locações,

Ele nos leva a um lugar em que criou,

já de antemão o que a gente suplicou!...

 

PORTULANOS XII

 

Mas é preciso recordar que lá existe

outro de nós de extrema semelhança,

que involuntário sofrerá essa mudança,

já que o milagre em troca se consiste.

 

A gente ganha o bem que a prece insiste,

mas nosso duplo chega sem tardança

para o lugar de que tivemos esquivança,

enquanto a gente para o seu se aliste.

 

O milagre que nos traz tanta alegria

ocorre às custas de possível sofrimento,

que o outro ocupa a posição indesejada;

 

todo o equilíbrio assim se cumpriria,

possivelmente sem seu consentimento,

que algo nos dá, mas não lhe damos nada!

 

OUTRO ANO – 7 JAN 2021

 

A minha atual pilha de rascunhos, finalmente,

vejo encurtar, apesar da pandemia;

confesso certo receio me atingia,

que não pudesse digitar essa vertente...

Mas cheguei até Janeiro e estou contente;

cinquenta e sete dias ainda teria

desses tentáculos de versos que cingia

o meu peito com pressão tão oprimente!

 

Mas é claro, são somente os derradeiros

esses que busco colocar em dia,

que alguns milhares estão na prateleira

e mais aqueles que datilografei primeiros,

em esforço para mostrar o que sentia,

antes da inspiração pisar na esteira...

 

OUTRO ANO II

 

E a todo o meu ardor eu ergo um brinde,

tal ilusão que cega e que impulsiona

e que outros sentimentos em mim doma,

creio em dois meses este atraso finde;

mas aos antigos a ânsia hoje me prende,

preciso em breve atentar para essa zona,

rever aos poucos o quanto ali se abona,

mais como opióide tal enfrentar se rende!

 

A inspiração a rascunhar me ofende

pelo menos três sonetos a cada dia,

nessa catálise que nem quero publicada,

mas é avalanche que meu peito fende,

entre didática, amor e nostalgia,

sem que jamais a veja sopitada!...

 

OUTRO ANO III

 

Do amor já invadi os cem aspectos,

desde o sonhar mais puro e espiritual,

até o ardor mais cru e mais carnal,

guardo centenas de rascunhos indiscretos;

dei preferência até agora aos mais diletos,

mas lá estão em descrição bem material,

que talvez fosse condenada, por sinal,

quando os rascunhos coligir completos.

 

Mas hoje em dia os conceitos já mudaram

e algo que antes tinham por pornografia,

manso e discreto se pode hoje perceber;

e se escândalo há meio século causaram,

talvez respeito o seu conjunto granjearia,

qual nunca tive, mas ainda espero receber!...

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