sábado, 20 de fevereiro de 2021


 

 

PÉROLAS VERMELHAS VII – 12 nov 20

 

Assim entoo canção mais merencória,

de permanente ausência aceitação,

no amor do verso somente a comunhão,

de nosso amor gentil prece mortuária,

do amor que já pertence à nossa história,

hoje somente o amor imginário da emoção,

não mais que amor relembrado sem paixão,

amor-recusa em branca ação peremptória.

 

Nem foi por mim, nem por ti, só recusado

pelos estranhos caprichos de meu fado,

pelas razões manipuladas pelo teu,

rosas que murcham, violeta que morreu,

pérolas vermelhas em plena fantasia,

que na quimera a mente ainda me cria...

 

PÉROLAS VERMELHAS VIII

 

Nem sei se algures eu volto a te encontrar,

visão de um dia e logo após distante;

separação foi da boda a celebrante,

para outros vultos levar-nos a abraçar;

e nem ao menos vou ao fado mendigar,

sabe melhor que eu tal deus gigante,

com mil faixas compondo cada instante,

esquivamente a permitir-nos abraçar.

 

A gente escolhe ou deixa-se escolher

em qual das faixas do destino se deslize,

já inevitavelmente e sem remédio

sendas fechando que se pudesse percorrer

que outro solo indicariam que se pise,

até o instante do derradeiro tédio...

 

PÉROLAS VERMELHAS IX

 

Como se aguarda o que podia ter sido!

Como se quer levantar perdido véu,

que nem se sabe nos levaria ao céu

ou a destino cruelmente desvalido!...

Ai, como há ânsia do possível pretendido!

Cada um de nós o verdadeiro réu

que as demais faixas deixou seguir ao léu,

na escala cinza há um arco-íris escondido?

 

Então se pensa nesse beijo nunca tido,

qual o sabor da perdida ptialina, (*)

para que lábios a língua então se inclina?

O ‘céu da boca’ é o palato ali contido,

esse nome que na infância alguém ensina,

comparado ao do azul mais desabrido...

(*)  Substância salivar que inicia  o processo digestivo.

 

PÉROLAS VERMELHAS X – 13 nov 20

 

Eu me surprendo a cada vez que escrevo

sonetos para ti, de quem me privo

no rebanho de quimeras em que vivo,

na inquietação que no meu peito levo;

nem sei se algum amor ainda te devo,

nem sei se em mim ainda existe amor ativo,

nem sei se em ti fulgor oscila redivivo,

sonho casual com que a mente apenas cevo...

 

A verdade é que o amor ainda alimenta

destes meus dedos esquivos os trejeitos,

meus hieróglifos se pintam sem cessar,

sem perceber qual o alvo que se atenta,

nos rios sem água de que percorro os leitos

e só a encontro após longo escavar...

 

PÉROLAS VERMELHAS XI

 

Pois ainda busco em tua face a inspiração,

estou seguro de que a reconheceria,

passadas décadas, no acaso em que a veria,

mudada mesmo pela humana variação;

meus lepidópteros desejos não se vão

desse anseio cerebral, que ainda buscaria

do beijo imagem que não existiria,

real porém em meu cardápio de ilusão.

 

Assim te vejo, meiga e saturnina,

algo severo no mais belo sorriso,

algo de meigo no mais feroz zangar;

meu pensamento exausto ainda se inclina,

reconhecendo aonde quer que piso

as marcas de teus pés para apanhar...

 

PÉROLAS VERMELHAS XII

 

Pois tal amor que te pareça fantasia

é bem real nos recônditos neurais;

não sei contudo, se nos teus, jamais

sobre algum canto mais simples de harmonia;

jogral ainda eu sou, na mesma melodia

de tantos versos simplesmente fantasmais,

breves visões espelhando as perenais,

em que tua face na mente ainda sorria.

 

No fim da tarde, ainda ouso confessar,

a falsa mágoa de insincero romantismo

nesses poemas em que teu rosto espelhas,

caótica esperança de um tempo milenar

em que acharia finalmente, em realismo,

esses teus beijos de pérolas vermelhas!...

 

URBANIDADE I – 14 NOV 2020

 

Carinho de minha mãe recordo pouco,

sempre envolvida em mil atividades,

eu me sentia um estorvo, nas idades

em que criança tende a chorar mais rouco,

na ânsia por afeto.  Esse amor louco

que descrevem nas mães, as suas bondades

suas justificativas aonde quer que vades,

até aos crimes mostrando ouvido mouco,

eu nunca usufrui.  Foi mãe severa,

revoltada por não ter o que queria,

sem receber da vida o que esperava,

que até me fez desistir do amor a espera,

a um ponto tal que nem sequer podia,

acreditar que alguém enfim me amava.

 

URBANIDADE II

 

E quem diria que ao receber o bem

que mais eu desejara, descobrisse

a diferença que havia, que fugisse

entre meus dedos seu palpitar também?

Que ao receber um novo amor, porém,

um novo ciclo o meu viver cumprisse

e então buscasse o quanto ainda crisse

me ser possível nesse amor recém?

Assim correm os dias, tudo passa,

a ânsia do desejo, a perda e a dor,

só não nos passa é a monotonia,

que por mais que se lute ou que se faça,

a cada dia nos segue o seu langor,

um tempo apenas que a noite já anuncia.

 

URBANIDADE III

 

Fui dessa forma menos competitivo

no mercado do amor, só me aprestei

quando certeza de aceitação detectei,

sem me jogar por toda parte, num esquivo

procurar da conquista o dom furtivo,

mas raras vezes foi que me enamorei,

o alheio amor foi sempre o que esperei

de qualquer relação o dom definitivo.

Agindo assim sem ciúme e sem maldade,

satisfeito com o amor que recebia,

meu próprio amor me esforçando por sentir,

em atitude de total urbanidade,

nesse sincero amor que assim fingia,

sincero e falso amor igual a usufruir...

 

EM NOJO HUMILDE I – 15 NOV 20

 

O Eu Fecal, quando sai, vem bem quentinho

e em sua essência está o vigor da vida,

essa parte de nós, que oferecida

dar não queremos, em pendor mesquinho,

mas traz células de nós, o pão e o vinho

que não se pôde aproveitar, perdida

sua substância para nós, retida

sua energia, só lançando ao redemoinho

o que não mais queremos, tão ingratos

somos nós todos, já que alguém nos quis

lançar ao alagadiço dos adeuses,

que de real nem sabemos quais os fatos

que nos deram a vida; e quem nos diz

que não sejamos o Eu Fecal dos Deuses?...

 

EM NOJO HUMILDE II

 

Eu não blasfemo a sós.  Existe a lenda

da Tartaruga Cósmica potente,

que em certa ocasião ficou doente

e a diarreia espalhou nessa prebenda,

toda a galáxia formando nessa senda;

em certa estrela nesse então nascente

um sistema planetário está presente,

até encontrar-se, numa oculta fenda,

uma geleia a trepidar de protoplasma,

última herdeira do quelônio sideral,

que aos éons tomou de si consciência...

E a mente humana em tanto orgulh orgasma,

como se fosse destinada ao imortal,

tão somente por ter certa inteligência!...

 

EM NOJO HUMILDE III

 

Já os helenos, com maior delicadeza,

relatam cabra, que chamaram de Amalteia,

ama de leite de Zeus, nessa epopeia

que a Via Láctea gerou com mais certeza,

o “Caminho do Leite” tendo mais nobreza

que a concepçao do Eu Fecal ateia,

gotas de leite espirradas nessa ideia,

quando o deusinho, sem grande gentileza,

largou a teta da cabra e foi brincar!...

Vem a Escritura bem contrário a ensinar,

que somos frutos do pó e da saliva;

algum orgulho mesclado em humildade,

que dessa baba divina a imortalidade

tornou possível a inteligência viva!...


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