TRIMURTI  I  (12/1/2009)

 

o corpo é o fardo que transporta a alma

e a alma é o fardo que o corpo transporta;

nesta trindade o que de fato importa

é o eterno espírito, em sua calma,

 

imperturbada por mil gerações,

pois alma nasce e corpo nasce e morre:

a alma perdura e lentamente escorre

para o interior do espírito, onde expões

 

a tal eterno germe, as experiências

de uma vida interior, boas ou más

e, através delas, o espírito enriquece

 

e se humaniza em todas suas valências,

pois cada vida nova liquefaz

seu conteúdo; e assim a chama cresce.

 

TRIMURTI  II

 

são alma, corpo e espírito uma trindade

tricéfala e totalmente irredutível,

tal como o indiano panteão possível

em cada membro a surgir da humanidade.

 

desce o espírito do luzir da divindade,

gota de luz, em seu vigor imarcescível,

forma-se a alma para cumprir o exaurível

agir humano de má ou boa qualidade,

 

para que o espírito seja enriquecido,

tão logo seja esgotada a condição,

a um ponto tal que mais não seja necessário

 

tudo que é humano, amplamente pertencido

a tal minúscula alma na ocasião,

sem ganga a jóia a partir para o sacrário.

 

TRIMURTI  III

 

retorna o espírito em nova encarnação,

recebendo novos pais e situação,

em que se firma uma nova condição,

até esgotar-lhe suas possibilidades,

 

que não se trata de aliatoriedades,

mas peneirar de probabiliades,

quer sejam boas as referidas qualidades,

quer sendo más, porém tendo aceitação.

 

esse é, de fato, o karma verdadeiro,

a nossa escolha das potencialidades

de algum destino que se possa usufruir,

 

que determinado, deve-se cumprir inteiro,

dentro do leque das inequalidades,

para melhor ao próprio espírito erigir.

 

TRIMURTI  IV – 19 nov 2020

 

mas sendo até aqui tão só a dualidade,

de que nos serve o corpo, no afinal?

não poderíamos agir só no espiritual,

a alma apreendendo toda a realidade?

 

assim seria, caso o fosse a humanidade,

porém não o é;  pois cada dom carnal

só se usufrui em tal plano material,

maior que seja da alma a intensidade

 

e assim a alma se integra ao corporal,

mas não é dele, sendo errado então falar

em “minha alma”, quando aquilo que pertence

 

é o corpo a ela, em laço dito astral,

ao longo de sua vida a deslizar,

enquanto a alma lentamente adense.

 

TRIMURTI  V

 

portanto é o corpo que à alma pertence,

assim criado mediante a concepção,

enquanto a alma já existe de antemão,

forjada pelo espírito quando pense

 

seja preciso que em material se adense,

para cumprir nova e real missão,

que não se trata de lucro na ocasião,

nem de existência que ao mundo vence,

 

a não ser que essa seja a escolha

para tal determinada encarnação,

em que a qualidade escolhida seja a glória,

 

usufruída até o romper da bolha,

sem precisar de qualquer repetição,

nem de retorno para igual vitória.

 

TRIMURTI  VI

 

mas não se creia, como afirma algum,

que surja a alma em tal concepção;

não é o esperma o autor da criação

e nem o óvulo em seu ardor comum;

 

só cria o espírito, de fato, esse incomum

espelho divinal na escolhida situação,

somente aparta de si, nessa ocasião

um fragmento, mas sem criar nenhum,

 

tal como o Filho da Santíssima Trindade

foi “gerado, não feito”, constante do Niceno:

gera à alma o espírito, mas não a faz,

 

somente dando algo de si, nessa piedade,

por alguns breves instantes menos pleno,

até o retorno que mais rico o satisfaz.

 

TRIMURTI  VII – 20 nov 2020

 

tem a alma, portanto, seu dever,

o que chamam de dharma, na verdade,

embora seja bem mais com a humanidade,

de completar essa missão que vem fazer

 

e ao retornar para o espírito, poder

enriquecê-lo com maior dignidade

adquirida ao se cumprir na integridade

essa função humana em seu saber;

 

mas que acontece, ao deixar-se dominar

pelos impulsos do corpo que a contém?...

se não consegue cumprir para seu bem

 

essa tarefa que aqui veio realizar,

quando retorna ao espírito, imperfeita,

a razão de sua vinda assim desfeita?

 

TRIMURTI  VIII

 

terá o espírito de nova alma gerar,

até que o dito dever seja cumprido,

na Sansara permanecendo-se inserido,

mais do que iria realmente precisar;

 

e se acaso, toda intenta em rebelar,

preencher essa alma um mau sentido

e se entregue totalmente a tal pedido,

vindo do corpo que a busca dominar,

 

poderá se corromper a um ponto tal

que quase só lhe reste a face material

e para o espírito então devolva uma ilusão,

 

como um fantasma perdido pelo astral,

ainda escravo do bater de um coração,

inconformado com seu lado espiritual.

 

TRIMURTI  IX

 

se algum dia estudaste biologia,

e esse milagre da humana concepção,

hás de lembrar do cone de atração,

com o qual o óvulo seu par escolheria

 

e que mais a tal escolha orientaria

essa célula desnuda de razão

do que essa alma a buscar encarnação,

que o pai escolhe que lhe melhor servia

 

a seu propósito de compiladora

de um reflexo qualquer do ente humano,

que possa usufruir intensamente?...

 

ação de fato bem avassaladora,

que causa a morte da imensa multidão,

ao permitir dela um só sobrevivente...?

 

TRIMURTI  X – 21 nov 2020

 

as lendas falam em “vender a alma ao diabo”,

o ente hipotético que nos vem do mitraísmo,

concebido entre o mais forte solecismo,

qual ser de chifres e de coleante rabo...

 

que em “tentação” vem a nós levar a cabo,

por qualquer fome ou intervencionismo

no plano divinal, a um vasto abismo,

a alma a devorar de cada condenado.

 

foi satanás inicialmente concebido

como mais um dos servos do senhor,

tal qual no livro de Job se pode ler,

 

que por qualquer distorsão foi entendido

possuir igual poder tal tentador

ao da trindade que nos veio conceber...

 

TRIMURTI  XI

 

não chega isto a ser sequer alegoria,

que a nós mesmos nos vá justificar,

que o ser humano é bem capaz de realizar

qualquer maldade sem demo que essa envia,

 

porém ocorre que algum corpo contraria

a tal ponto o que a alma vem buscar,

que esta se deixa plenamente dominar

e abandonar nobre missão que deveria,

 

porém o espírito prossegue a orientação

e a pobre alma se retorce em dualismo,

impelida qualquer vez até a loucura,

 

pobre alma alquebrada e sem noção,

mente enjaulada em seu materialismo,

no verdadeiro inferno que a tortura!

 

TRIMURTI  XII

 

meu caro amigo, se acaso aqui aguardava

a descrição desse trimurti bramanista,

lastimo muito ter-lhe dado falsa pista,

pela palavra que esta série intitulava,

 

que a brahma, vishnu e shiva não louvava,

qual é constante fazer no atual modismo,

porém refuto o estrito monoteísmo

que o judaísmo para o islam legava.

 

há três pessoas numa só nessa trindade,

sendo “o senhor e o doador da vida”

desse trimurti o Espírito Santíssimo,

 

sem que exista, de fato, dualidade

entre o espírito e a alma compreendida,

por nosso corpo ante a fé rebeladíssimo!