quarta-feira, 24 de fevereiro de 2021


 

 

HASTES DE MUSGO I (4 abr 11)

(Inspirado por Catulo e sua Lésbia ou Clódia)

(A ilustração é identificada como Anne-Sophie Lubeck)

Quando teus lábios meigamente beijo,

cresce a maré por toda a minha boca.

As ondas se acumulam e me espouca

o trovejar cintilante desse ensejo,

 

que me percorre o corpo e então eu vejo,

no maremoto da esperança louca,

a inundação que a alma inteira toca

e meu egoísmo inteiramente aleijo.

 

Eu deixo de ser eu na tempestade

que me escorre pelo braço desde os dedos,

que me desce pelo tronco em enxurrada.

 

Eu me transformo em ti na saciedade,

enquanto bebo a um por vez, os teus segredos

e enquanto eu mesmo me derreto em nada.

 

HASTES DE MUSGO II

 

Mas sabes bem a forma como agiste

e ainda ages, por mais que digas não.

Toda mulher manipula o coração

de quem a ama, tal como consiste

 

a própria tessitura da ilusão,

essa trama de prata com que urdiste

essa falsa esperança que persiste,

mais forte ainda por tanta negação.

 

Houve momentos de glória e de estultícia

que me fizeste vivenciar nessa odisseia,

minhas naves enfunadas por bisonhos

 

ventos, a esconder tanta malícia,

no fervor indiferente dessa teia

que presidiu a hecatombe de meus sonhos.

 

HASTES DE MUSGO III

 

Mas o gosto de teus lábios na memória

ainda guardo, em toque permanente.

De certo modo, ainda estás presente,

por mais que eu saiba tão só ser ilusória

 

a tua presença, fragrância desultória

em minha lembrança, mas remanescente;

em minha boca, meus lábios, cada dente

traz o ressaibo de tal sombra incorpórea.

 

Pois foste apenas um sonho de passagem,

alimentando assim a tua vaidade,

enquanto eu totalmente me entregava,

 

bebendo areia, como água de miragem:

fulva quimera a prejulgar realidade

em mil caprichos que tão mal interpretava.

 

HASTES DE MUSGO IV – 4 dezembro 2020

 

Foram hastes de musgo, só visíveis

quando se olha firmemente e bem de perto.

O teu amor precisava ser desperto

e observado em cuidado imperecível.

 

Mas colocaste barreira intransponível:

só me querias ver quando deserto

teu coração, a outrem sempre aberto,

se achava de presença disponível...

 

E como te furtaste a tal ensejo,

voltada a interesses que se alternem,

trocados sempre com vivacidade!...

 

Macio o musgo, meigo como um beijo;

mas suas hastes só com esforço se discernem,

no latejar consensual da intimidade...

 

HASTES DE MUSGO V

 

Tal como chamam o divórcio consensual,

quando ambos em separar se acordem

e com os termos materiais ali concordem,

por mais quebrado seu elo espiritual.

 

Mas no divórcio das almas, no total,

ainda que corpos eventualmente abordem,

em recaída de sexual desordem,

orgasmo tendo violento e material,

 

até que ponto é concreto esse prazer

que nos percorre o corpo totalmente,

que faz a mente explodir e cintilar?

 

Ou so é amor abstrato que se quer,

nesse prazer de instante, simplesmente,

sem no outro corpo realmente se mesclar?

 

HASTES DE MUSGO VI

 

Não passa o musgo de suave cobertura

sobre qualquer superfície recoberta,

veludo verde a requerer alerta,

contendo o tronco ou a pedra bem mais dura.

 

Hastes de musgo são a ilusão mais pura,

tão fácil de se crer se não se acerta

o passo firme a repelir a queda incerta

que lança ao solo em inesperada agrura.

 

E contudo em tuas roupas, em teus braços,

sou recoberto por tal sonho verde,

como se a queda fosse esmeraldina;

 

contra o musgo do chão duros abraços,

mas contra o musgo avermelhado perde

a nossa pele a escorregar na concubina...

 

HASTES DE MUSGO VII – 5 dez 2020

 

Também o amor é só leve cobertura,

a disfarçar o quando está subjacente,

como chave para o sexo premente,

beijo e saliva de consistência pura,

 

em que a atração subliminar perdura

e se acaricia o marfim de cada dente,

que ossos sejam a gente nem pressente,

somente anseia pela caverna escura,

 

em que se encontra, sorrateira, a queda,

que nos recobre de encarnado,  peregrina,

igual que o musgo, de pelos recoberta...

 

Ai, que vitória, no instante em que nos ceda

outra saliva de rescaldo esmeraldina,

dura e macia enquanto jaz aberta!...

 

HASTES DE MUSGO VIII

 

E enquanto essa caverna traz amor,

despencar nesse abismo mais queremos,

são de rubi as paredes que lambemos

e a nós o fogo lambe em seu ardor!

 

Nada no mundo mais belo que essa flor

que nos recebe e nela nos perdemos,

até que nosso anseio completemos,

o corpo inteiro impante de suor...

 

Mas quando amor não há e só desejo,

não é de musgo coberto, mas de limo

e nossa queda se mostra bem mais dura,

 

paralelepídos a retribuir o beijo,

osso e granito para o nosso mimo,

saudade inglória que não mais perdura!

 

HASTES DE MUSGO IX

 

Assim  te busco, minha doce meretriz,

que para mim somente não consigo;

nada me cobras pelo teu abrigo,

sem para outrem ser igual nutriz!...

 

E cada vez que beijo a tua cerviz,

percebo nela, para meu perigo,

odor alheio, para meu castigo,

de quem um dia, igual a mim, te quis!

 

E a quem mostraste generosidade

tal como a mim, para meu despeito...

Mas como anseio por teu suave peito!

 

Que fosse meu com exclusividade,

mas teu sorriso se faz resvaladio,

meu pé resvala, perdido todo o brio...

 

HASTES DE MUSGO X – 6 dez 20

 

Hastes de musgo contemplo na epiderme,

porém somente, no traçar do beijo,

o que contemplas em mim, no tal ensejo?

Meu verde limo escorrendo como verme?

 

O que contemplas se o beijo teu alterne

com outras bocas, sem sentir nojo nem pejo?

Até que ponto se deflora meu desejo,

ao imaginar outra carne no teu cerne?

 

Que alguém mais ali tenha escorregado,

sem tanto amor igual que este que sinto:

sentir em ti o gosto de outro homem?

 

Até que ponto um amor se faz pecado,

quando a mim mesmo a esperança minto

de que esses outros nunca mais te tomem?

 

HASTES DE MUSGO XI

 

Afinal, quantos dizem que a esperança

é verde, a projetar um bom destino?

Mas o azinhavre é também esmeraldino

e seu provar só desgosto nos alcança!

 

Existe verde nessa iridescente dança,

com que os insetos, de cricrilar tão fino,

as luzes trocam de rebrilho pequenino,

são vagalumes que o coração relança,

 

nesses desenhos tão débeis do verão,

nessas noites de zéfiros abafados,

que não refrescam, mas esquentam mais.

 

Existe verde no amor em brotação,

mas há desdém de tons amarelados

nessa esperança ancorada no jamais!...

 

HASTES DE MUSGO XII

 

Não obstante, teus lábios são carmim,

toque de verde só na maquiagem

com que teus olhos ressaltes em miragem

de que piscassem tão somente para mim.

 

Porém há mais de um jardineiro no jardim

não posso a todos expulsar por mais coragem,

porque bem sei repreenderias tal visagem,

arroxeados os teus lábios carmesim...

 

Porque se espalha o musgo da ambição

e te recobre inteiramente o coração,

ali formando esmeraldinas ilhas,

 

sem contentar-se com um simples beija-flor,

disposta sempre para mais amor,

nessa tua inundação de maravilhas!...


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