quinta-feira, 24 de junho de 2021


 

 

GERALDO SEM PAVOR

CAPÍTULO SEXTO  -- 24 jun 21

 ERMIDA DA MEMÓRIA, NAZARÉ, PORTUGAL


A legenda que consta no brasão

é a de “Mui Nobre e Sempre Leal

Cidade de Évora” e o cavaleiro triunfal

de espada em riste da conquista na ocasião.

O fundo do brasão é jalde (isto é, amarelo)

e no rodapé se veem as duas cabeças,

uma de homem e a outra, se bem meças,

é de mulher, sem haver qualquer segredo.

 

Também a estátua, na praça central,

 dita Praça do Geraldo, o cavaleiro

uma cabeça a erguer, bem altaneiro

e outra nos seus pés vê-se, afinal,

mas não se sabe se esta é de mulher.

Naqueles tempos, não é de duvidar

que todo o povo se fosse massacrar,

sem uma criança se perdoar sequer!...

 

Existe ainda uma outra lenda persistente:

enquanto ele era apenas um vilão,

Geraldo se abrigou, certa ocasião

nessa Ermida da Memória, então recente

e lá avistou uma imagem sobre o altar,

era mulher de rosto negro e manto

azul, que num triângulo sacrossanto

se abria, para a Trindade relembrar!

 

Mesmo não sendo lá muito devoto,

teria Geraldo forte impulso de ajoelhar

e a Nossa Senhora de Nazaré reverenciar,

quando escutou voz de qualquer ponto ignoto:

“Sê bom Cristão e combate ao inimigo,

que sempre te darei minha proteção,

mas sem jamais erguer sequer a mão

contra mulher que dê no peito a filho abrigo.”

 

Teria então jurado o cavaleiro,

considerando quais sagradas doravante

qualquer puérpere ou mulher gestante,

sem indagar sua religião primeiro.

Por isso, é contestado no brasão

que ali se mostre cabeça de mulher,

seria um pagem ou cortesão qualquer,

que alguns afirmam ser do Emir o irmão.

 

Geraldo adquitiu o direito de ser nomeado Dom após ser armado cavaleiro por Dom Affonso Henriques.  Não se sabe se deixou descendentes, pelo menos o sobrenome “Geraldes” é pouco conhecido.

Dois irmãos franceses decidiram aceitar as indulgências de uma Cruzada contra os Mouros na Espanha, ambos filhos do Duque de Borgonha.  Seu irmão Otto, o mais velho, seria o herdeiro e assim Hughes e Henri vieram até Leão para ajudar seu rei a conquistar a Galícia. D. Affonso Sexto deu sua filha Urraca como esposa a Hughes e sua filha ilegítima, Theresa, como esposa a Henri.  De modo igual, deu o Condado de Galícia a Hughes e o Condado de Portucales, bem menor, ao irmão mais moço, Henri.  Mas este se achava na fronteira com as posses muçulmanas e Henri ou Henrique foi aumentando seu feudo aos poucos.  Nascido em 1066, filho de Henri e Sybille de Bourgogne, foi conde de 1096 até 1112, quando morreu em combate contra o reino de Aragão.  Seu filho Affonso foi criado pela mãe, que assumiu o condado, mas arranjou um amante galego, Fernão Pires de Trava.  Affonso rebelou-se e venceu os dois na Batalha de São Mamede, em 1128, tornando-se o conde dominante.  Onze anos depois, na Batalha de Ourique (1139), venceu os Mouros e no ano seguinte proclamou-se Rei dos Portugueses.  Em 1140 foi reconhecido pelo Rei de Leão, através do Tratado de Zamora, mas só em 1179 o Papa Alexandre III lhe “outorgou” a condição de Rei.  Dom Hughes abandonou o condado para se tornar duque da Borgonha por morte de Otto I.  D. Affonso Henriques sempre temeu que através de Dona Urraca, seu irmão lhe quisesse contestar o reino. 

 

PERSISTÊNCIA I – 24 JUN 21

 

Ela o mandou embora, finalmente,

depois de muitos beijos e rechegos;

praticamente não tinham mais sossegos,

até que ele se humilhasse totalmente

e suplicasse à sua dama prepotente,

cujos olhos para o amor ficaram cegos,

que não o expulsasse dos chamegos,

mas aceitasse o seu amor tão persistente.

 

Não adiantou.  Depois que foi embora,

ele não pôde deixar de pensar nela,

foi para longe, mas sem sair de fato

e num SEDEx à sua casa, certa hora,

mandou breve bilhete para ela,

uma carteira de Marlboro e seu retrato...

 

PERSISTÊNCIA II – 24 JUN 21

 

“Não venhas me dizer que não me amas,

depois de tudo que juntos passamos,

mais do que amor, são os mútuos desenganos,

a glória de momentos e as más famas;

talvez desse amor meu sobrem só ramas

nessa carícia do lembrar que partilhamos,

mas existe bem mais força nos enganos

que nos triunfos de transitórias chamas.

 

Porque um beijo de amor é transitório,

enquanto um mal de amor é permanente

e é vitalícia a lembrança de um engano;

bem mais constante o sonho merencório

que nos persegue na vida, fielmente,

que antigo beijo envolto em desengano...”

 

PERSISTÊNCIA III – 24 JUN 21

 

Se alguma coisa importa é a persistência:

quando a sorte não bafeja, é a teimosia,

a pertinácia – que se busque noite e dia

o que se quer na  vaga da insistência;

sempre é possível que haja incompetência,

que não se saiba como – todavia,

não se pode ceder à nostalgia

dos fracassos e adiamentos da impotência.

 

Existe quem nasceu com plena sorte,

a quem tudo parece vir ao colo,

porém é raro esse destino dos mortais

comuns, iguais que nós, a quem importe

para alcançar o sucesso sem o dolo,

essa constância nos esforços materiais.

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